REFLEXÃO SOBRE ESPIRITUALIZAÇÃO ORGULHO E ILUSÃO
- Maçonaria com Excelência
- há 7 dias
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Por Eleutério Nicolau da Conceição
O objetivo maçônico é voltado para o mundo presente, para o desenvolvimento de fraternidade humana. Não é voltado para o além. Por isso a Maçonaria não tem doutrinas sobre Deus e a espiritualidade; ela respeita a autoridade para se posicionar, e a crença de cada um.
REFLEXÃO SOBRE ESPIRITUALIZAÇÃO ORGULHO E ILUSÃO
“Supunha possuir os segredos do governo do espírito e de todo o conhecimento. Na verdade, eu não possuía mais que a ilusão de possuir e um enorme desprezo por aqueles que não partilhavam dessa ilusão”[1]
Alguém pode considerar as palavras do título deslocadas mas, na verdade, refletem o que se pode observar em muitos textos postados em nossos grupos de WhatsApp.
Aqueles de nós que se interessam pelos aspectos transcendentais do mundo e da existência humana, e costumam ler textos esotéricos, acabam por tornar-se vulneráveis a uma armadilha.
Ao tomar contato com conceitos e descrições de aspectos místicos da composição do Ser e do Universo, é comum a tendência de considerar-se detentor de um conhecimento destinado a poucos, participando assim da casta dos “Verdadeiros Iniciados”.

Essa consideração, geralmente é acompanhada de certo menosprezo por aqueles que “não alcançaram ainda essa condição”. Aqueles que assim pensam, desconsideram os que não se expressam dentro do “esoterês” esperado, classificando-os como maus ou falsos maçons.
Com relação a este tema, alguns pontos precisam ficar estabelecidos. Algum de nós, por acaso entrou para a maçonaria para aprender a respeito de Deus?
Pode existir um maçom que não tenha desenvolvido em sua vida pessoal a prática da introspecção, oração ou meditação, que não se envolva com qualquer prática religiosa. Para este, é possível que a simplicidade, singeleza da cerimônia de abertura dos trabalhos em loja seja o único momento de introspecção que experimenta em seu cotidiano. Assim, para ele, esse momento acaba se revestindo de uma aura de religiosidade que ele não encontra em outro lugar.
Entretanto, a maioria de nós, maçons, ao sermos iniciados, já temos estabelecidas as principais definições da vida. Estamos encaminhados profissionalmente, temos princípios religiosos (claros ou difusos), ideias políticas, time de futebol, etc.
Diferentes motivos nos levam à iniciação maçônica, mas nenhum deles é a busca pelo conhecimento de Deus. Se assim fosse, a maçonaria seria uma religião (o que todos os documentos e práticas de loja negam), e não estaria aberta à participação de homens de diferentes religiões.
Todos os maçons que tem conceitos espirituais definidos, praticam sua religião, ou filosofia místico /religiosa que adotam em igrejas, ou outros locais próprios e em suas casas, não em templos maçônicos.

Somente nos casos citados acima, os que não desenvolvem uma vida religiosa pessoal, buscam suprir essa deficiência na maçonaria.
Repito, se alguém entrou na maçonaria buscando contato/conhecimento de Deus, errou o caminho! Por uma razão muito simples: A Maçonaria não tem objetivos religiosos. Isto é, ela não desenvolve nenhuma doutrina ou procedimento visando produzir ou facilitar o contato de seus filiado com os aspectos transcendentes da realidade.
Também o aperfeiçoamento maçônico proposto, não visa alcançar nenhum estado de beatitude transcendente em um Céu, Paraíso, Nirvana, ou Espiritualidade Superior, mas sim para “Tornar Feliz a Humanidade”.
Nos rituais de aprendiz das Grandes Lojas existe um diálogo conhecido:
── O que é a Maçonaria Irmão Chanceler? ── É uma instituição que tem por objetivo Tornar Feliz a Humanidade, pelo amor, pelo aperfeiçoamento dos costumes, pela tolerância, pela igualdade, pelo respeito à autoridade e à crença de cada um.”
Neste texto se esclarece, de modo definitivo, que o objetivo da Instituição maçônica é voltado para este mundo, não para o além. Em geral as Potências Maçônicas regulares repetem esses postulados, com frases diferentes, dispersas pelo texto mas seguindo o mesmo pensamento.
A Maçonaria admite a existência de um “Princípio Criador”, ao qual nomeia “Grande Arquiteto do Universo”, mas sobre o qual não desenvolve qualquer doutrina sobre sua natureza, atributos ou interação com a humanidade.
De forma semelhante, acredita na “Imortalidade da Alma”, sem propor doutrinas, detalhes conceituais ou definição da natureza dessa alma, ou de como se dá essa “Imortalidade.”
Um dos graus superiores do REAA diz que essa afirmação existe porque o homem precisa ter esperança, mas não é dogma. Assim, não existe “Deus Maçônico” ou “Conceito maçônico de Deus”. O conceito de Deus de cada maçom é aquele da religião, ou escola filosófico/religiosa a qual ele se filia.

A Maçonaria defendeu a liberdade de pensar e a livre expressão do pensamento desde seus primórdios. Isto significa que alguém pode se tornar maçom e continuar praticando fielmente sua religião e cultivar suas concepções particulares sobre a natureza do Ser e do Universo. E assim é entre nós; temos irmãos católicos, espíritas, evangélicos, judeus e muçulmanos.
Contudo, ninguém deve apresentar suas legítimas, mas pessoais concepções como se fossem ensino maçônico (Mesmo que esteja convencido que elas contêm a verdade absoluta), pois se assim fosse feito, haveria em loja um caos de concepções desencontradas e opostas, o que destruiria o ideal da fraternidade.
Por esse motivo a Maçonaria não desenvolveu epistemologia nem possui cosmogonia definida. Ela não define a natureza do Ser nem do Universo, para não colidir com as livres opções de seus membros. "Grande Arquiteto do Universo" é um "Princípio Criador" que cada um interpreta segundo suas convicções.
Voltamos então a falar daqueles que se consideram detentores de conhecimentos esotéricos especiais e “verdadeiros iniciados”.
Na verdade, quando se fala em “Conhecimento Esotérico”, na maioria quase absoluta dos casos, se quer referir à crença na correspondência dos conceitos e descrições de determinados autores com o mundo real. É necessário fazer-se o seguinte questionamento: Tenho, realmente “conhecimento” sobre esse tema? O que, de fato adquiri?
Cito como exemplo os bastante divulgados conceitos e descrições vindos do hinduísmo, os “Chakras”. Em uma das descrições, resumidamente, são apresentados como centros psico/energéticos que seriam ativado pela energia Kundalini, que desce pelo canal espinhal sushumna, acumulando-se no chakra base muladhara, no sacro.
Subindo espiralando em torno da coluna pelos dois “Nadis”, “Ida” e “Pingala”. Essa Energia estimularia então cada um dos chakras durante sua Ascenção, enquanto o indivíduo evolui em sua espiritualização.

Outra versão explica: O bastão levado por Hermes tem uma interpretação associada ao sistema Hatha Yoga dos Hindus. O centro do bastão representa a coluna vertebral. As duas serpentes representam dois tipos de energia descendo a partir do hemisfério esquerdo do cérebro, espiralando em torno da coluna e subindo pelo outro lado até o hemisfério direito, distribuindo pelo corpo a energia (Prana) assimilada do ar pela respiração. Na visão hindu o corpo teria uma infinidade desses canais energéticos, dos quais os citados são os principais. Na base da coluna existiria um acúmulo energético que, adequadamente estimulado subiria pelo canal central da espinha energizando centros psico/energéticos chamados “Chacras” até alcançar o cérebro, momento no qual o ser alcançaria máximo desenvolvimento espiritual. As asas do caduceu aludiriam a esse momento. O canal a esquerda é considerado masculino e chamado “Pingala”, o da direita, “Ida”, feminino, e o central, neutro “Sushumna”.

O assunto é complexo e possui inúmeros desdobramentos. Aqui apenas se menciona o aspecto introdutório do tema.
Os místicos estudiosos do tema desaconselham a tentativa de manipulação dessa energia sem o acompanhamento de um mestre experiente, dada a possibilidade da liberação de efeitos não desejados.
Isto pode ser considerado “Conhecimento”? Sabemos, de fato, que é assim com relação aos Chakras?
Somos capazes de “Ver” ou experimentar sua realidade e efeitos, ou simplesmente nos deixamos convencer pela plausibilidade das explicações dos autores que lemos?
No primeiro caso, teríamos conhecimento, no segundo, apenas crença. Na internet encontra-se uma variedade de textos sobre o tema.
É comum encontrar-se um jorro de conceitos derivados da Teosofia, Rosacrucianismo, Cabala, Hermetismo em geral, equivocadamente associados à Maçonaria, como se constituíssem um “conhecimento” mais elevado, reservado apenas aos maçons, mais dedicados, profundos e espiritualizados.
Eis aí o “orgulho” do título.

Em geral, seus autores estão apenas transcrevendo conceitos e descrições que leram. Nunca tiveram oportunidade ou condição de experimentar a realidade dos conceitos e descrições que apresentam, apenas acreditam que eles são reais, e consideram-se elevados, especiais, por terem entrado em contato com essas ideias, cultivarem essas crenças e olham com certa condescendência superior para aqueles que ainda “Não alcançaram esse conhecimento”.
Isso me lembra o que diz um dos autores do livro “O Despertar dos Mágicos”, Louis Pawels, que escreve o prefácio de seu livro escrito em parceria com Jacques Bergier, ao se referir às suas experiência de estudos esotéricos com o famoso místico armênio Georgiǐ Ivanovič Gǐurdžiev:
“Esforçava-me por me separar das minhas emoções, dos meus sentimentos, dos meus impulsos, a fim de encontrar, para além, qualquer coisa de imóvel e permanente, uma presença muda, anônima, transcendente, que me consolaria da minha pequena realidade e da incongruência do mundo. (...) Supunha possuir os segredos do governo do espírito e de todo o conhecimento. Na verdade, eu não possuía mais que a ilusão de possuir e um enorme desprezo por aqueles que não partilhavam dessa ilusão” (o grifo é meu).
Aqui entra a “Ilusão” do título.
Cada um de nós, que busca o conhecimento e contato com o transcendente, precisa, em algum momento, se questionar a respeito de sua real condição.

Possui, de fato algum conhecimento, experiência, sabe que é verdade aquilo que diz, ou, simplesmente repete o que leu? Ou, quem sabe, “Possui apenas a ilusão de possuir, e despreza aqueles que não compartilham dessa ilusão”?
Examine-se cada um a si mesmo, com sinceridade, “sem sofisma nem reserva mental”, e tire suas próprias conclusões.
Dentro desta perspectiva, faz algum sentido se falar em “Desenvolvimento de uma Espiritualidade Maçônica”?
Levando-se em conta o que foi comentado acima, cada maçom desenvolve seu culto ou busca espiritual no contexto da religião ou grupo místico/filosófico que adota, não nos trabalhos de Loja.
A Maçonaria não possui procedimentos, ensinamentos ou doutrinas com esse objetivo.
Sempre que nos rituais surge menção ao “Espírito Humano”, o contexto é iluminista: os dotes do intelecto e da moral. É assim com a ideia do domínio do espírito sobre a matéria.
Quando se diz que “O Espírito” de determinado autor transparece em suas obras, não se está fazendo referência a nenhum aspecto não físico do autor que tenha impregnado as páginas de seus livros, mas sim que seu modo de ser e posicionamento perante a vida se refletem no seu texto.
É nesse sentido que a maçonaria propõe o “aperfeiçoamento do Espírito”.
Os autores que se alongam e doutrinam sobre o tema, nada mais fazem do que trazer interpretações de procedimentos, símbolos e doutrinas de outras instituições, e aplicá-los indevidamente à Maçonaria.
Entre aqueles que adotam interpretações místicas da Maçonaria, nunca encontrei alguém que tivesse aprendido tais conceitos e interpretações na instituição maçônica!
Em todos os casos, trata-se de mais do mesmo: Interpretações da Maçonaria sob a ótica de outras escolas de pensamento, tais como: Teosofia, Espiritismo, Cabala, Hinduísmo, Rosacrucianismo, etc.
Ainda que tais interpretações possam ser profundas e significativas, elas não fazem parte do acervo de ensinamentos maçônicos.
É preciso compreender que a maçonaria não aborda todos os temas possíveis.
Propositadamente, alguns temas são deixados à livre opção de seus adeptos, notadamente, aqueles de foro íntimo, as descrições sobre a natureza do Ser e do Universo, com seus correlatos metafísicos. Não por considera-los sem importância, mas porque são temas que, até hoje, possuem adeptos de doutrinas opostas, muitos deles iniciados maçons.
Se produzisse ensinos aliados a qualquer das descrições metafísicas vigentes, inevitavelmente colidiria com as outras, tornando impossível o ideal de estar aberta à participação de homens de diferentes religiões.
O objetivo maçônico é voltado para o mundo presente, para o desenvolvimento de fraternidade humana. Não é voltado para o além. Por isso a Maçonaria não tem doutrinas sobre Deus e a espiritualidade; ela respeita a autoridade para se posicionar, e a crença de cada um.

Por isso, aquele que tenta impor suas concepções metafísicas, legítimas, mas pessoais, como se fossem ensino maçônico, o que, infelizmente, alguns maçons e vários autores fazem, está equivocado e promove um desserviço à Maçonaria, desencaminhando e confundindo principalmente os recém-chegados aprendizes.
É tarefa daqueles que estão há mais tempo na caminhada maçônica, contribuir para desfazer esses mal-entendidos.
Nota de rodapé
[1] Louis Pawels e Jacques Bergier, O Despertar dos Mágicos, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1972, p. 10.
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