A ACADEMIA DE PLATÃO COMO MODELO DE EDUCAÇÃO SIMBÓLICA
- Maçonaria com Excelência
- 20 de fev.
- 6 min de leitura
Prof. Me. Cídio Lopes de Almeida,
Doutorando em Ciências das Religiões
Faculdade Unida de Vitória
A ACADEMIA DE PLATÃO COMO MODELO DE EDUCAÇÃO SIMBÓLICA

Introdução
O presente trabalho tem por finalidade ser apontamentos de uso didático no contexto de aulas. O tema aqui apresentado nesse modo de anotações preparatórias será sobre método simbólico como estratégia pedagógica. E vou relacionar essa ideia com uma faceta da Escola de Filosofia fundada por Platão, hoje conhecida por nós simplesmente como Academia de Platão. Com o uso mais intenso dos meios virtuais para processos de formação, temos o desafio de produzir mais conteúdos, que no método presencial de educação se dava sem notarmos a sua necessidade. E com isso temos que escrever mais, produzir mais instruções, etc. Esse roteiro é essencialmente essa demanda, pôr no papel ou na tela do computador linhas de temas para que possamos conversar, discutir, dialogar.
1. Fraternidade como ambiente de aprendizado.
Sempre que desejamos falar de fraternidade filosófica nos vem a citação abaixo:
“Ao contrário das primeiras escolas filosóficas, que, embora leigas, tinham como modelo as seitas religiosas dos mistérios, a Academia foi o primeiro instituto de investigação filosófica do Ocidente. Era uma escola que pretendia, em todos os campos do saber, realizar o ideal socrático da autonomia da razão e da ação contra a heteronomia em que se comprazia o sofista. Por isso, a Academia rivalizava e combatia a Escola de Retórica, do sofista Isócrates, fundada na mesma época. O ideal da educação autônoma significa, em primeiro lugar ensinar o livre espírito de pesquisa, o compromisso do pensamento apenas com a verdade e, em segundo, estimular a autodeterminação ética e política. Em vez de transmitir doutrinas, a Academia ensinava a pensar ou, como lemos no Mênon, “o dever de procurar o que não sabemos”. Em vez de transmitir valores éticos e políticos, a Academia ensinava a criá-los, isto é, a propô-los a partir da reflexão e da teoria. Nela prevaleceu o espírito socrático: a discussão oral e o desenvolvimento do vigor intelectual do estudante eram mais importantes do que as exposições escritas.” (CHAUI. 2011; p. 226).
Após estudarmos em nosso livro Estética e Educação em Nietzsche, nos propusemos construir na Internet, isto é, através de blogs e sites, um espaço de ensino e debate que levasse em consideração nossa tese do que seria uma educação trágica. Com essa ideia verificamos que a Academia de Platão constitui uma instituição com indícios dessa associação cultural, que o próprio Nietzsche tentou formar na Germânia ou mesmo viu acontecer no projeto de Wagner em Bauhütte.
Uma das críticas do professor Nietzsche era que no ambiente universitário de sua época a relação entre professor e aluno se dava de modo muito frouxo. Advogava como contrapartida uma relação entre mestre e discípulo como método mais eficaz na formação da juventude. Guardado as proporções, o conceito de sociabilidade e as fraternidades filosóficas manifestam em certa medida esses traços desejados pelo filósofo.
Porém, tais associações podem incorrer em problemas de ordem administrativa ou epistemológica e nesse sentido a citação da Profa. Dra. Marilena Chauí nos ser um ótimo exemplo para pensar tais “escolas”. O elemento místico ou os mistérios podem em larga medida comprometer o que foi o diferencial da Academia de Platão, “o dever de procurar o que não sabemos”. Vejamos que não é a busca pela verdade, mas o que não sabemos.
O compromisso em buscar o que não sabemos é salutar, pois a ideia de mistérios acaba por gerar, em nossos dias, uma predileção pela alienação cultural no contexto da cultura de consumo em massa. Então, apregoar essa busca pelo não conhecido sem certos princípios alienantes da razão humana é fundamental para a saúde psíquica. Outra faceta que julgamos ser passível de evitar é que a ideia de mistério se transmutou em segredo e é quase impossível dissolver essa acepção. O que acaba gerando no seio dessas confrarias de sociabilidade um clima de não transparência na governabilidade ou mesmo traços fascistas/autoritário de conduzir tais coletivos.
O mistério enquanto questões dos processos não perceptíveis pela vista e consciência imediata, inerentes a toda realidade, acabou se transformando em manto de acobertamento da falta de inteligência. Comumente ineptos com as ideias tentam sem pudores se camuflarem no jargão: “não posso falar, pois é segredo”.
Mas a reflexão sobre tais fraternidades não se esgota com esse dado histórico. Mesmo considerando que os mistérios foram cooptados pela cultura de consumo de massa, que se apossa dessa dimensão na medida em que consumir se apresenta como substituto a revelar o mistério da vida, é preciso retomar dois conceitos na produção do conhecimento filosófico, que irão tratar desse processo inerente à condição humana. O saber e o não-sabido será tratado por Nietzsche sob as chaves conceituais do dionisíaco e do apolíneo.
2. Dionísio e apolíneo ou afetos e razão.
A razão é bem-vinda, e a citação acima é exemplar. Porém, no binômio nietzschiano de apolíneo e dionisíaco, temos que tomar cuidado com o expurgo do elemento dionisíaco como tensão salutar da razão. O mistério enquanto admiração ou encantamento com o meio ambiente é necessário para a vida humana ser dotada de sentido. A tão falada morte de Deus, “teocídio” erroneamente creditada a Nietzsche, é exatamente esse desencantamento do real, incluindo aí o “outro”, nosso semelhante.
É preciso encaminhar para o encantamento do real, porém, sem perdermos a dimensão do jogo de poder que constitui esse real. A história do poder é fundamental para construirmos sociedades de fato fraternais. Saber e poder, portanto precisam se coadunar em qualquer sociabilidade, seja ela concebendo os mistérios como vetores de estruturação ou não. Os mistérios, a busca pelo que não sabemos e o poder democrático transparente e participativo devem ser os pilares de qualquer projeto desse tipo.
O nosso curso de Filosofia da Educação preconiza como elemento de força pedagógica justamente esse ambiente de amizade da Academia de Platão. Nosso propósito não é sermos uma sociabilidade propriamente, mas sermos uma experiência de educação filosófica que congregue educadores movidos por essa ideia de sermos protagonistas. Eu como professor espero ser apenas o motivador das suas opções e que em dado momento da formação sejamos “iguais entre iguais”, como muito bem preconizava o método de Platão.
Conclusão
O objetivo fundamental desse roteiro foi indicar que o motor do conhecimento é uma certa relação com o desconhecido. Não faz sentido queremos conhecer o já conhecido. Apesar de que habitualmente temos a tendência de projetar sobre o novo aquilo que já é familiar.
O desafio de nossos dias tem sito justamente retomar uma salutar relação com esse desejo de querer conhecer, habitualmente chamado de motivação. Como motivar alguém se ele não consegue sentir em si mesmo o desejo de querer saber? Precisamos superar o paradoxo da cultura de consumo, que em si não é um problema, mas que ao apagar nosso salutar desejo de querer conhecer, acaba por nos entorpecer.
Creio que o melhor ambiente para esse despertar adequado pelo desejo de conhecer seja o da fraternidade. O aprendizado e o ambiente de aprendizado só florescem quando temos gosto de estar nele. Essa ideia vale para as sociabilidades filosóficas, como também para o ambiente escolar tradicional ou mesmo no âmbito das empresas.
No que o exemplo da Academia de Platão, como de resto algumas obras de Platão nos indicam, serve-nos como referência história para pensar o cultivo do conhecimento em ambiente fraternal. Outro aspecto relevante nesse mesmo sentido serão as “Academias” de conhecimento que surgiram a partir do Renascimento Italiano, especialmente a “Academia Platônica” de Florença na Itália. Serão elas a modelarem efetivamente o atual quadro da vida universitária como conhecemos. Para além do surgimento das Universidades lá pelo ano de 1200 d.C. na Europa, foram as Academias que acabaram por forjar o que hoje conhecemos das próprias universidades europeias. Tema que será tratado por nós noutra aula/texto.
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