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A MISTAGOGIA DE PROCLO


Proclo

A MISTAGOGIA DE PROCLO[1]

 

 

Cídio Lopes de Almeida[2]

PPGP Ciências das Religiões Faculdade Unida de Vitória

Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo

 

 

Resumo A comunicação objetiva explorar o conceito de "mistagogia" na filosofia neoplatônica, particularmente na obra de Proclo. Mistagogia refere-se a um processo de iniciação em mistérios divinos, enfatizando a transformação pessoal em vez da mera especulação. Nossa hipótese é que a filosofia de Proclo é profundamente mística e, ao mesmo tempo, rigorosamente crítica, utilizando razão e intuição de forma complementar. Como resultado esperamos elucidar os temas da emanação, o conceito de "Uno", a relação entre alma, intelecto e "Uno", processão e conversão, e a função central do símbolo e do mito na experiência mística. Nossa metodologia será a bibliográfica. Através de uma análise detalhada da obra de Proclo, o texto ilumina a natureza da iniciação mística no neoplatonismo, destacando a jornada da alma de volta à sua origem divina.

 

Palavras-chave: Mistagogia. Proclo. Mística.

 

Introdução

A ideia de uma mistagogia, uma pedagogia do mistério, em Proclo pode ser examinada de duas maneiras. Sendo ele próprio a abordar os temas atinentes à uma mística nas obras Sobre a Teologia Platônica e Elementos de Teologia ou, para o comentador Jean Truillard, na obra do seu discípulo Marinos de Nápoles. Para quem a mistagogia é a chave de distinção do pensamento de Platão. Como, aliás, traço de “[...] superioridade em relação ao ensinamento de Aristóteles [...]”[3]


Em termos biográfico, Proclo nasceu em Constantinopla no ano de 412 d.C. e faleceu em Atenas no ano de 485d.C. Seus pais eram da cidade de Xanto, na Lícia, a época uma região do Império Romano, situada em nossos dias nas províncias da Turquia Antália e Muğla. Exerceu a função de Administrador/Diádoco, da Academia de Platão em Atenas. Foi figura expoente do neoplatonismo.

 

1 A Obras

A estrutura da obra Elementos de Teologia, segundo o tradutor, é estampada da seguinte forma. A começar pelas proposições de número 1 – 13., ocupa-se da unidade e de como o uno é o bem e causa primeira. Nas proposições 14 - 112. o que será a relação deste Uno com a realidade sensível, que em outros termos será compreender as dinâmicas causais superiores, incluindo o próprio Ser, o Intelecto e a Alma, com as realidades derivadas deles no múltiplo sensível.


Entre as proposições 113 – 165,  os temas das Hénadas, que são as múltiplas formas e que participam do Uno, por seu caráter transcendente, mas reflete já a pluralidade do sensível. As próximas proposições, 166 – 183, o tema será o intelecto ou Nous, sendo o lugar das formas inteligível, e por esta característica ocupa o segundo lugar depois do Uno em termos de importância. E por último, nas proposições 184 – 211, o tema da Alma, instância responsável por motivar ou animar o mundo e pelo uso do intelecto, e por sua percepção enquanto capacidade humana, o que poderia levar ainda a percepção do Uno, já em chave de lampejos, ou momentos de epifania.  


A segunda obra de Proclo é Sobre a Teologia Platónica, “[...] está composta de seis livros [...]”.[4]  O que temos a reter nesta exploração encontra-se sobre a ideia de que o pensamento de Platão se mostra como “grande mistério”, abordado no Livro I, acessível aos iniciados. Nesta linha, a obra de Platão se equipara com uma epópeia, em que se performa um clímax de um rito mistérico, pelo qual se obtém uma introvisão da realidade divina. O que destaca um percurso pessoal e intuitivo, nada especulativo. A discursividade para este propósito será compreendido como divinamente inspirado ou “[...] ensinamentos que foram transmitidos sobre o ‘lugar supraceleste’[...] [aspas no original]”. [5] Para alcançar este lugar, Proclo considera o “[...] fato de que o modo de ascensão em direção ao inteligível transmitido de Platão é o mesmo que os iniciadores dos mistérios transmitiram.”[6]6 Por fim, os nomes dos deuses podem revelar algo sobre eles mesmo, denotando o lugar da palavra na sua economia teológica sobre Platão. Segundo Proclo:

E, de fato, Sócrates, no Crátilo, considera apropriado revelar a correta atribuição dos nomes de maneira específica no contexto dos seres divinos. Por sua vez, Parmênides, com base na primeira hipótese, assim como expõe todas as outras realidades conhecíveis e os diversos tipos de conhecimento, nega ao Uno tanto 'o nome' quanto 'o discurso'; ao contrário, na segunda hipótese, além de todas as outras concepções, demonstra que, desse Uno, existem tanto o discurso quanto o nome.[7]


Para este panorama, a segundo obra de Proclo mostra-se que há elementos importantes sobre o tema do mistério, da intuição e a demanda de uma percepção iniciática dos seus ensinamentos.

 

2         A Mistagogia de Proclo por Jean Trouillard

A partida da sua apreciação, o comentador destaca algo estruturante da mistagogia em Proclo, haveria um equilíbrio entre razão e mística. Se no panorama das duas obras os temas da mística se mostram como intuição, elevação, o mesmo não se dará ao arrepio de um pensamento crítico. Para ele é possível:

[...] estabelecer uma dosagem sábia que daria, por exemplo, 49% à razão e 51% à mística, ou vice-versa. Razão e mística, diremos, não são inversamente, mas diretamente proporcionais, porque não estão no mesmo plano e se nutrem uma da outra a partir de pontos de vista diferentes. De modo que o autor das Enéadas pode ser ao mesmo tempo integralmente místico e integralmente crítico. É mesmo porque ele é integralmente místico que conduz tão longe sua abordagem racional nesta interpretação do Parmênides, que é o coração de seu pensamento.[8]

 

Em sequência, para Trouillard a mistagogia em Proclo não se limita a ser uma iniciação filosófica, mas é um processo transformador que permeia todos os aspectos da vida e do cosmos. O que é uma compreensão de uma filosofia experiencial e reveladora, recebiada por Platão de Orfeu e Pitágoras.


Este processo de exercício filosófico se dá pela imaginação e pela linguagem. A imaginação, via pela qual ocorre as epifanias, serve de veículo para a alma perceber e interagir com o reino divino. Pela linguagem, simbólica, ocorrem as narrativas míticas, que propicia o exercício alegórico que leva ao Uno e divino.


Ainda sobre o símbolo e uma linguagem simbólica, o comentador destaca que em Proclo ela cumpre ligar dois planos, isto é, o símbolo consegue se mostrar para a dimensão humana, mas ele também está ligado ao não humano. Neste caso, para o autor, o símbolo não está no lugar de representar apenas algo, ele é parte do algo a que remete. E por esta natureza, permite aos indivíduos se ligarem ao divino, à unidade fundante e chamada de mônada de onde toda a realidade procede.


Apreciação final

Para a proposta exploratória desta comunicação, pode-se verificar que nas obras delimitadas do autor Proclo encontra-se uma reflexão que esboça o movimento do mundo sensível para o inteligível, como é apresentado em Platão. Da multiplicidade para o Uno, o movimento se vale de uma linguagem, a simbólica, bem como de instâncias na subjetividade, que percorre ideias de alma, forma, consciência e intelecto.


Pra explicar e contextualizar este movimento, uma rica digressão nomeia variados planos reflexivos e todo este processo é um caminho, um método, mas não qualquer método. Sua distinção consiste em lidar com o mistério, com o que excede a particularidade dos indivíduos pensante. O desafio de pensar o que não está na órbita do pensamento, como que puxando este para fora e lhe mostrando novidades que estão para além, fora até mesmo do horizonte de sentido inscrito nas formas sensíveis. E neste sentido, a linguagem simbólica é perspectivada como uma realidade que partilha o mundo humano e o além humano e é um importante meio para este ir além.


No contexto da nossa pesquisa e parte do plano de construção da tese de doutorado, existe vários pontos de interesse a partir desta exploração. O uso da linguagem simbólica como método pedagogia/mistagógico, que procura conduzir o existente na direção do horizonte último de sentido, mostra-se uma chave estratégica para se pensar a ideia de Filosofia de Vida no âmbito das pesquisas em Ciências das Religiosas.

 

Notas de rodapé

[1] Comunicação apresentada XIX Jornada de Filosofia / XXXI Semana Filosófica / II Jornada Internacional de Filosofia – "Decolonialidades", realizada em 25 set. 2024, Pouso Alegre, MG. (híbrido).

[2] Doutorando em Ciências das Religiões [PPGP – Ciências das Religiões Faculdade Unida]. Mestre em Filosofia [Faculdade de São Bento SP]. Especialista em Arte-educação [PREPES PUC MG]. Licenciado em Ciências das Religiões [FUV], Filosofia [PUC MG] e Pedagogia [Uninove]. Bacharel em Filosofia [PUC MG] e Teologia [Faculdade Vicentina, Cristã Católica]. Bolsista pesquisador FAPES, membro do Grupo de Pesquisa de Teologia Pública e Estudos de Religião [FUV]. cidioalmeida@gmail.com 

[3] “[...] supériorité à l´égard de l´enseignement d´Aristote [...]. (Tradução livre). TROUILLARD, Jean. La Mytagogie de Proclos. Paris: Belles Lettres, 1982, p. 11

[4] “[...] está compuesta de seis libros […]” (Tradução livre). NIEVE, José Maria. Intoducción. In: PROCLO. Teologia Platónica I -III. Bueno Aires: Losada, 2011.

[5] PROCLO. Teologia Platonica. Firenzi: Bompiani, 2019, p. 449.

[6] “[...] fatto che la modalità di ascesa verso l’intelligibile tramandata da Platone è la stessa che hanno tramandato gli iniziatori ai misteri.” (Tradução livre). PROCLO, 2019, p. 489.

[7] “Ed in effetti il Socrate del Cratilo ritiene opportuno rivelare la corretta attribuzione dei nomi in modo specifico nell’ambito degli esseri divini. Ed il Parmenide in base alla prima ipotesi, come rivela tutte le altre realtà conoscibili e tutti i tipi di conoscenza, allo stesso modo nega all’Uno sia «il nome» sia «il discorso»; invece in base alla seconda <ipotesi>, oltre a tutte le altre concezioni, mostra anche che di questo Uno275 v’è discorso e nome. (Tradução livre). PROCOLO, 2019, p. 181.

[8] “[...]Nous verrons que rien n’est moins plotinien que de regarder ces deux fonctions comme antithétiques, d’établir un savant dosage qui donnerait,  par exemple, 49 % à la raison et 51 % à la mystique,  ou inversement. Raison et mystique, dirons-nous, ne  sont pas inversement, mais directement proportionnelles,  parce qu’elles ne sont pas sur le même plan et qu’elles  se nourrissent l’une de l’autre à des points de vue différents. En sorte que l’auteur des Ennéades peut être à  la fois intégralement mystique et intégralement critique.  C’est même parce qu’il est intégralement mystique qu’il  conduit si loin sa démarche rationnelle dans cette interprétation du Parménide qui est le coeur de sa pensée.”(Tradução livre). TROUILLARD, Jean. La Mytagogie de Proclos. Paris: Belles Lettres, 1982, p. 15.


Referências bibliográficas

TROUILLARD, Jean. La Mytagogie de Proclos. Paris: Belles Lettres, 1982, 256 p.

NIEVE, José Maria. Intoducción. In: PROCLO. Teologia Platónica I -III. Bueno Aires: Losada, 2011.

PROCLO. Teologia Platónica I -III. Bueno Aires: Losada, 2011.

PROCLO. Elementos de teología sobre la providencia, el destino y el mal. Madrid: Ed. Trotta, 2017.

PROCLO. Teologia Platonica. Firenzi: Bompiani, 2019.

 
 
 

1 comentario


Excelente análise, ciência e religião uma orecisa da outra para tentar entender : De onde viemos , o que viemos fa?er aqui é para onde vamos.

👏🏻👏🏻👏🏻

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