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DO PÓ E AO PÓ: POEIRA DE ESTRELAS

Atualizado: 9 de mai.



Conheça os livros do autor.


DO PÓ E AO PÓ: POEIRA DE ESTRELAS 

O artigo Do pó e ao pó: poeira de estrelas, discute a origem e o destino da humanidade à luz da Bíblia e da ciência, com base em Gênesis 3:19. Relaciona o trabalho para obter alimento com a evolução da caça à agricultura, e destaca a semelhança entre a composição do corpo humano e a Terra. Aborda o retorno ao pó por meio da sepultura e cremação, explicando os processos e usos modernos das cinzas.
DO PÓ E AO PÓ: POEIRA DE ESTRELAS
Imagem ilustrativa gerada por IA

I. INTRODUÇÃO

A maioria de nós conhecedores da Bíblia, assim como, a maioria dos irmãos maçons já nos defrontamos com o ensinamento contido em Gênesis 3, 19[1]:

“Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar”.

 

Variações mínimas nas diferentes traduções:

Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar”.

in sudore vultus tui vesceris pane donec revertaris in terram de qua sumptus es quia pulvis es et in pulverem reverteris.[2]

 

Você comerá seu pão com o suor do seu rosto, até que volte para a terra, pois dela foi tirado. Você é pó, e ao pó voltará (versão católica) [3]

 

No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás. (versão Almeida revisada)

 

No suor do teu rosto, comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás. (versão Almeida revisada e corrigida)

 

Com o suor do rosto você obterá alimento, até que volte à terra da qual foi formado. Pois você foi feito do pó, e ao pó voltará”. (Bíblia Sagrada Nova Versão Transformadora)

 

No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra, pois dela foste tomado: porquanto tu és pó e em pó te hás de tornar-se. (Tradução Brasileira)

 

Terás de suar muito durante a vida toda, para teres o sustento, até que morras e voltes para a terra donde foste tirado. Porque fundamentalmente és terra e para a terra voltarás.” (O Livro, Portugal)

 

No suor do teu rosto, comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado, porquanto és pó e em pó te tornarás. (Portuguese Bible Old Orthography)

 

"no suor da tua face comerás o pão, até que retornes à terra, pois dela tu foste tirado; porque pó tu és, e ao pó tu retornarás." (Bíblia King James)[4]

 

“Com o suor do teu rosto comerás o teu pão, até que voltes ao solo, pois da terra foste formado; porque tu és pó e ao pó da terra retornarás!” (Bíblia King James, atualizada).[5]

 

Qual a mensagem que podemos retirar deste versículo, combinando o conhecimento de ontem – do autor bíblico -, e o de hoje – do leitor?

 

II. CONSIDERAÇÕES GERAIS

“Comerás o teu pão com o suor do teu rosto”.

As mensagens luminares desta frase nos referendam a necessidade da alimentação, sem a qual pereceremos; e, complementarmente, que a mencionada alimentação acabará sendo conseguida com algum esforço, com o trabalho; algo como: comemos porque trabalhamos ou trabalhamos para podermos comer.


A relação do homem com o trabalho visando a alimentação modificou-se ao longo do tempo. A fase mais remota, herança ancestral, foi um período passivo ou extrativista no qual os indivíduos alimentavam-se daquilo que alcançavam, fosse vegetal – maioria -, fosse animal.


A especialização deste tipo de empreendimento exigia uma mobilidade constante – nomadismo –, buscando o melhor espaço fosse para o aproveitamento, coleta de frutos e outros vegetais, fosse para alguma caça ou pesca – reconhecido como homem coletor-caçador. De qualquer forma, alcançar os alimentos – colhendo as frutas ou pescando – exemplifica um trabalho[6]; saber ou intuir que os ambiente ocupado detinha ou deixava de apresentar o suficiente para o grupo ou tribo, também era um trabalho. Uma herança das espécies anteriores, especificamente dos primatas, no caso do homo sapiens; estamos falando do paleolítico, algo entre 100 000 a 8 000 a.C.[7],[8],[9],[10],[11],[12]


A grande mudança deu-se com a descoberta do fogo e a fixação do homem ao ‘seu lar’ com o desenvolvimento da agricultura e da pecuária, eventos caracterizantes do neolítico, algo entre 8 000 a 3 000 a.C. Nesta fase é possível visualizar um trabalho organizado com períodos para o plantio e outro para a colheita; períodos de caça ou pesca; melhor conhecimento sobre o funcionamento das estações com as melhores épocas para as tarefas relativas à alimentação; isto é, para melhor compensar o suor do rosto na obtenção do grão que seria, mais uma vez, trabalhado na produção da farinha que, por fim, permitiria degustar o pão.


Não se pode deixar de considerar que o grão plantado ou o gado de pastoreio sempre buscaram, também, na terra ou no que dela brota ou no que nela está, as condições e alimentos para a própria subsistência; isto, aliás, antes do homem, antes dos primatas, antes dos... seres terrestres!


O redator da frase – com o suor do teu rosto comerás o teu pão -, é do período histórico da História do homem (da Antiguidade) – isto é, após o desenvolvimento da escrita (cuneiforme e hieroglífica) – e, portanto, melhor conhecedor das características envolventes do homem fixado e agricultor que do antigo, o pré-histórico e nômade coletor e caçador– certamente esquecido pelo homem redator do texto; o que se poderia dizer sobre o homem pré-histórico, seus hábitos e costumes, no tempo em que foram produzidos os diferentes textos componentes da Bíblia que conhecemos hoje?

 “até que voltes à terra de que foste tirado”;

Tanto quanto os produtos alimentares utilizados pelo homem – sejam eles as plantas ou animais diversos – todos são oriundos, provenientes e compostos dos diversos componentes da Terra.[13],[14],[15],[16],[17][18],[19],[20],[21],[22],[23],[24],[25]


A Terra – nosso lar – é o resultado de inúmeras condições exatas; focalizemos as mais próximas e palpáveis ou mensuráveis: o volume de nosso planeta, a presença e distância do Sol e, igualmente, a presença e distância da Lua[26]. Todos são fatores favoráveis a um ambiente facilitador da vida – desde, ao redor 3,5 bilhões de anos atrás – importantes facilitadores da nossa existência.


Nossa composição, não poderia ser diferente, está diretamente relacionada com os componentes presentes na composição da Terra. Didaticamente, podemos dizer que são 88 os elementos químicos naturais – presentes na Terra, mas não obrigatoriamente aqui produzidos - além, de outros, 27 elementos artificiais – produzidos pelo homem em laboratório - perfazendo os 115 elementos presentes na atual tabela periódica.


Quantitativamente é aceito que a crosta terrestre é composta por:

Oxigênio – 47%; Silício – 28%; Alumínio – 8,1%; Ferro – 5,0%; Cálcio – 3,6%; Sódio – 2,8%; Potássio – 2,6%; Magnésio – 2.1%; Hidrogênio – 0,9%; além de outros bem menos representativos.[27],[28]


Dentro desta avaliação – composição quantitativa – podemos comparar e reconhecer os mesmos elementos – em quantidades diferentes – na formação do corpo humano[29]: Oxigênio – 65%; Carbono, 18%; Hidrogênio, 10,2%; Nitrogênio, 3,1%; Cálcio, 3,1%; Fósforo, 1,2%; Potássio, 0,25%; Enxofre, 0,25%; alguma quantia ainda menor de Cloro, Magnésio e Sódio e estaremos somando 99,95% da composição total do organismo humano, que se pesar 70 kg estará formado por uma coleção de 7 mil quatrilhões de átomos – 7 seguidos por 27 zeros![30]


A intuição ou percepção do autor do Gênesis foi fantástica e poética!

“porque és pó, e em pó te hás de tornar”.

Estes poucos diferentes elementos químicos – contamos 11 elementos naturais, ou seja, 12,5% do conjunto dos 88 elementos deste grupo majoritário – quando devida, artística e magistralmente organizados permitem a existência de organismos animais – como os do homo sapiens – composto por múltiplas e diferentes células, tecidos, órgãos. A utilização da mesma matéria atômica base em arranjos e conteúdos diferentes permitiu que ‘do pó[31] da Terra’ se fizesse o homem!


Voltar ao pó é deixar a vida; voltar ao pó é retornar ao estado elementar da maioria dos átomos formadores dos organismos vivos, o homo sapiens incluído.


A conduta historicamente cultural é o sepultamento.[32],[33],[34],[35],[36],[37],[38] O homem das cavernas já tinha desenvolvido este costume – os sítios de sepultamento mais antigos são do paleolítico inferior (80 000 a.C.); muitos sítios arqueológicos revelam uma forma estandardizada para este evento, entre os mais famosos e representativos estão: La Chapelle-aux-Saints (França), Grimaldi (Itália), Arena Candida (Itália), Shanidar (Iraque), Qafzeh (perto de Nazaré, Israel)[39]; povos mais recentes, mas antigos para nós, também mantinham conduta apropriada em locais separados e respeitados para estas cerimônias; estamos falando do homem fixado em comunidades. A religião foi outra propagadora desta liturgia e a Idade Média e Moderna tornaram-se palcos para solenidades altamente ritualizada por ocasião do falecimento da realeza, especialmente, dos monarcas – Saint Denis, Paris, é um endereço representativo destas práticas; paralelamente a importância que têm para com a história e o desenvolvimento da Maçonaria Operativa.


Opção ao sepultamento tradicional é representada pela cremação. A História também registras eventos crematórias no passado remoto, alguns entre 25 000 e 50 000 a.C.; mais recentemente, já no período histórico encontramos registros desta prática entre os gregos e os romanos; os egípcios tinham um pensamento diferente, principalmente para com os restos de seus faraós.


Em nosso tempo o processo crematório está envolto em resistências diversas, entre as quais as religiosas que são as mais robustamente consistentes[40]:

a) Igreja Ortodoxa (sérvia, russa e grega): proíbe a cremação;

b) Islamismo: proíbe fortemente a prática crematória;

c) Candomblé: proíbe o uso da cremação;

d) Igreja Católica: tinha posição contrária, mas houve uma relativização em 1963 (Concílio Vaticano II), contudo a orientação prioritária é o sepultamento habitual;

e) Espiritismo: recomenda aguardar três dias (72 horas) antes de efetivar o processo final;

f) Igreja Anglicana, orienta cremação desde 1944;

g) Hinduísmo e Budismo: recomenda e ritualiza a cremação.


Aspecto legal brasileiro a ser considerado é a necessária disposição, oficial e registrada, do falecido optando pela cremação.


A cerimônia crematória acontecesse após a comentada solicitação e o consentimento familiar e liberação legal. Concluído normalmente o cerimonial fúnebre social e familiar, dá-se início aos eventos crematórios.


A fase seguinte observada é a manutenção do corpo em ambiente refrigerado por, pelo menos, 24 horas antes da cremação propriamente dita; o processo crematório é realizado com o corpo dentro de um ataúde sem elementos metálicos e vítreos; aliás, também devem ser retirados do corpo equipamentos com risco de explosão, como marcapassos. 


O processo acontece em ambiente – forno – apropriado para os eventos que se darão em temperaturas que variam entre 980 a 1200 graus centígrados, podendo durar até cinco (5) horas, variação dependente do peso corporal. Nesta temperatura a água e os elementos biológicos são, literalmente, vaporizados e eliminados pela exaustão do próprio forno. No final do processo encontram-se cinzas com aspecto de uma areia grossa esbranquiçada: partículas inorgânicas e restos ósseos (óxido de cálcio). Este conjunto será processado em equipamento complementar para homogeneizar o conteúdo.[41]


O conteúdo final do processo crematório não contém nenhum traço de água ou de substância orgânica – não restando vírus, bactérias, fungos, DNA - componentes que seriam capazes de contaminar os contactantes ou o próprio meio-ambiente.


A composição final das cinzas de cremação – que são restos de ossos pulverizados - é constituída principalmente por Cálcio, Fósforo e Potássio; estes elementos são característicos da composição óssea, composição esta com maior resistência ao processo. Lembrando que tais componentes não fazem parte da lista dos maiores constituintes do organismo (Oxigênio, Silício e Alumínio).


No final do processo, uma pessoa de 70 quilos fica reduzida a menos de um quilo de cinzas/pó.


Observação: estes mesmos componentes fazem parte das cinzas(pó) dos animais cremados sejam eles: gatos, cachorros, cavalos, roedores em geral; variando a quantidade com o porte destes animais.


Não há maneira melhor para descrever o processo que as palavras bíblicas: “porque tu és pó e ao pó da terra retornarás,” e o mesmo Cálcio, Fósforo e Potássio retornam a fazer parte do pó e serão utilizados na composição de novos seres – vegetais ou animais – vivos, reiniciando o ciclo vital característico em nossa casa, o planeta Terra!

 

III. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diferentes condutas são feitas com as cinzas(pó) da cremação.


Muitos rituais de desapego foram praticados: dispensação em lugares os mais diversos, do alto das montanhas ao fundo do mar.


O uso em favor da natureza pode ser entendido, por um lado, pela ausência do processo de decomposição com capacidade de contaminação do ambiente próximo, principalmente, fontes de captação de água ou alguma infecção na fauna próxima, bem mais difícil hoje.


Menção frequente é o uso como nicho vegetal. Os trabalhos feitos revelam que as cinzas crematórias (o pó), quando usadas isoladamente, não auxiliam como fertilizante, pelo contrário, o alto pH impede os eventos biológicos da germinação; para obter um resultado adequado as cinzas crematórias devem ser adicionadas com material orgânico para então alcançar o resultado adequado na fertilização do solo. Alguns equipamentos[42] foram projetados para que o material orgânico seja o primeiro a adubar o terreno e as cinzas crematórias em uma segunda fase.  


Dada a alta concentração de cálcio nas cinzas crematórias foi desenvolvido sua purificação e utilização na produção de diamante que podem ser produzidos com diferentes níveis de quilates e com diferentes cores e tamanhos diversos.


Portanto, existem muitas maneiras de homenagear o ente querido perdido.

Podemos encontrar uma profunda e perfeita ressonância entre os dados levantados pelo clamor do autor do texto sagrado. Muito embora não tenha assinalado a composição da poeira (estelar) que carregamos (os átomos), verdade completa é que somos formados da poeira da Terra e que a devolveremos no devido tempo, após o devido uso; o mesmo há de acontecer com a Terra![43]

 

Luiz V. Cichoski MM

ARLS Templários da Liberdade, 69

Pinhalzinho/SC

GOSC


Conheça os livros do autor.


Notas de rodapé

[1] Bíblia Sagrada, Ed. Ave Maria, Trad. Monges de Maredsous, 22ª. edição, 1976.

[6] J.Locke, Segundo Tratado sobre o Governo (1690), Martin Claret, 2002.

[7] G.Haaf, A Origem da Humanidade, Ed. Abril Cultural, 1979.

[8] R.C.Leakey, Origens, 2ª. Edição, UnB, 191

[9] R.E.Leakey, A Evolução da Humanidade, 2ª. edição, UnB, 1981.

[10] L.E.Orgel, As Origens da Vida, UnB, 1981.

[11] R.J.Braidwood, Homens Pré-Históricos, EnB, 1985.

[12] S.C.Ujvari, A História da Humanidade contada pelos Virus, Ed. Contexto, 2ª. Ed. 2021.

[13] F.Hoyle, A Natureza do Universo, Zahar Ed. 1962.

[14] S.Weinberg, O Três Primeiros Minutos do Universo, Gradiva, 1977.

[15] M.Chester, Partículas, Introdução à Física de Partículas, ArteNova, 1979.

[16] J.Silk, O Big Bang, A Origem do Universo, EuB, 1985.

[17] S.W.Hawking, Uma Breve História do Tempo, Ed. Rocco, 1988.

[18] P.Davies, Os Três Últimos Minutos, Ed. Rocco, 1994.

[19] S.Weinberg, Sonhos de uma Teoria Final, Ed. Rocco, 1996.

[20] C. Sagan, Bilhões e Bilhões, Cia. De Bolso, 1997.

[21] R.P.Feynman, Física em Seis Lições, Ed.Bolso, 3ª. Edição, 1999.

[22] R.P.Feynman, Deve Ser Brincadeira, Sr. Feynmann, UnB, 2000.

[23] C. Sagan, O mundo assombrado pelos Demônios, Cia. De Letras, 2006.

[24] C. Sagan, Variedades da Experiência Científica, Cia. De Letras, 2008.

[25]. M.Gleiser, Criação Imperfeita, Ed. Record, 3ª. Edição, 2010.

[26] Z.Zugno, Antídoto Apocalíptico/150 Provas Científicas da Existência de Deus, 4ª. ed. 2015.

[27] Se considerarmos a percentagem dos elementos componentes do globo terrestre integralmente, não apenas a crosta, verificaremos alteração na distribuição dos mesmos.

[30] Outras considerações podem ser encontradas em L.V.Cichoski, A Natureza como Primeiro Maçom Operativo.

[31] Carl Sagan expressou, poeticamente, esta verdade ao reconhecer que “somos poeira de estrelas”!

[32] M.Eliade, O Mito do Eterno Retorno, Edições 70, 1978.

[33] M.Eliade, Mitos, Sonhos e Mistérios, Edições 70, 1989.

[34] I.Buyst, Símbolo na Liturgia, Ed. Paulinas, 3ª. edição, 2000.

[35] M.Eliade, Mito e Realidade, Ed. Perspectiva, 2004.

[36] I.Buyst, O Segredo dos Ritos, Ed. Paulinas, 2011.

[37] M.E.Baleta, Orígenes, edição do autor, 2013.

[38] M.Eliade, O Sagrado e o Profano, 2ª. edição, M.Fontes, 2008.

[43] Publicado na Revista A Trolha, 449, março 2024.

 

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