AS CORPORAÇÕES DE OFÍCIO
- Maçonaria com Excelência
- há 3 dias
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Por Michael Winetzki
Quer saber mais? Leia MAÇONARIA: DE ISAAC NEWTON À INTERNET. Escrito por Michael Winetzki, o livro oferece um vislumbre abrangente da história da civilização, desde os tempos pré-históricos até a fundação da maçonaria na Inglaterra do século XVIII, e sobre como essa ordem influenciou a sociedade.
AS CORPORAÇÕES DE OFÍCIO
No tempo dos primórdios do Império Romano, corporações de ofício emergiram pela necessidade de organização entre profissionais, principalmente do setor da construção, como os obreiros e arquitetos, provocando o surgimento dos membros dos Collegia Fabrorum[1], criados por Numa Pompílio[2], o segundo rei de Roma, que reinou de 715 a 683 a.C. Esses membros acompanhavam os exércitos de Roma e trabalhavam nos territórios conquistados. Eram dirigidos por um magistrado praesedis, eleito entre seus membros e assessorado por dois oficiais (questores e decuriones). Os membros eram chamados de sodales e tinham Janus, o deus romano da iniciação, como patrono. As comemorações dos Collegia eram marcadas pelas chaves de Janus Inferni e Janus Coeli nos solstícios de Junho e Dezembro. É interessante notar que o nome João deriva de Janus e as comemorações foram mantidas pelas guildas da Idade Média sob o patrocínio de S. João Batista e S. João Evangelista nas datas solsticiais.
Essas corporações tinham um ritual de admissão que incluía um juramento e uma caixa de ajuda mútua, e se reuniam em suas loggias (salões ou fraternidades em italiano). Essas “guildas” frequentemente possuíam regras e regulamentos estritos, assim como rituais e cerimônias de admissão. Cuidavam das viúvas e órfãos e exibiam com orgulho as suas ferramentas de trabalho como símbolos de sua atividade. Eram responsáveis pela construção das magníficas obras do Império. Seus membros eram construtores, arquitetos, engenheiros e artesãos habilidosos que tinham como objetivo reparar os danos causados pelos conflitos e construir as obras necessárias ao governo imperial. Desde há cerca de seis séculos A.E.V., tem-se notícia de associações de pedreiros que durante mais de mil anos ajudaram com sua arte e ciência a eternizar em pedras o esplendor do Império Romano. No entanto, foram dissolvidos no ano 64 A.E.V por força da Lei Julia, instituída no ano 90 A.E.V. A dissolução ocorreu por medo do império, que temia que os Collegia pudessem transformar-se em órgãos políticos, sendo manipulados para votar em bloco em determinados candidatos.
No livro, “A History of Secret Societies”, Arkon Daraul discute a história das guildas e corporações de ofício, incluindo sua evolução desde os primórdios do Império Romano até a Idade Média:
“Os objetivos e os ideais das sociedades secretas são tão diversos quanto os próprios grupos, mas há alguns princípios comuns. O mais importante é a ideia de que as verdades mais profundas não podem ser encontradas na superfície das coisas e que a realidade escondida deve ser procurada por meio de rituais, mistérios e iniciações. Além disso, muitas sociedades secretas têm um interesse em comum no poder e no controle, seja sobre a sociedade em geral ou sobre seus próprios membros”.
Rotaris foi um dos reis mais importantes da Lombardia durante o século VII. Governou de forma justa e eficiente por 16 anos, deixando um legado que perdura até os dias de hoje. Além de suas habilidades políticas, Rotaris também tinha um grande interesse pela arquitetura e construção, sendo um grande apoiador dos Maestri Comacini, uma guilda de construtores e arquitetos que trabalhavam na região dos Alpes italianos, especialmente na área do Lago Como. Eles eram conhecidos por suas habilidades técnicas e conhecimentos avançados em matemática, geometria e engenharia, e foram responsáveis pela construção de muitas das grandes obras de arte e arquitetura da época. Rotaris, reconhecendo o valor desses construtores, emitiu um édito em 643 confirmando seus privilégios e garantindo-lhes apoio e proteção. Embora não haja provas documentais que liguem os Maestri Comacini diretamente à maçonaria, alguns historiadores acreditam que eles podem ser considerados o elo perdido entre os Construtores da Antiguidade e a fraternidade maçônica.
Independentemente disso, é inegável que a influência dos Maestri Comacini na arte e arquitetura da época foi enorme. Muitas das igrejas, mosteiros e palácios construídos por eles ainda estão de pé hoje, testemunhando sua habilidade e talento. E graças ao apoio de Rotaris, sua influência se espalhou ainda mais, contribuindo para o desenvolvimento da arquitetura e da engenharia em toda a Lombardia.
Assim, a figura de Rotaris se tornou um símbolo da grandeza e da sabedoria da Lombardia no século VII. Sua visão e seu apoio aos Maestri Comacini ajudaram a moldar a história da arquitetura e da arte na região, e seu legado ainda é lembrado e admirado por muitos hoje em dia.
Essa mítica Corporação foi fundada nas ruínas do Colégio Romano de Arquitetos e, após a queda do Império Romano em 478, refugiaram-se na ilha fortificada de Comacini, no Lago Como. Os Comacini eram arquitetos livres que celebravam contratos e não estavam submetidos à tutela, nem da Igreja, nem dos senhores feudais, contudo, eles frequentemente trabalhavam para a Igreja Católica em projetos de construção de igrejas e catedrais. Eles possuíam muitas das características das corporações de ofício romanas. Seus membros eram arquitetos, engenheiros e artesãos habilidosos, e trabalhavam em conjunto para construir grandes edifícios e monumentos. Eles possuíam regras e regulamentos estritos, assim como rituais e cerimônias de admissão, e se reuniam em suas loggias para discutir seus negócios. Eles eram altamente respeitados por sua habilidade e conhecimento, e suas técnicas de construção eram frequentemente mantidas em segredo.
Jay Kinney explora a história da maçonaria e sua possível conexão com as guildas e corporações de ofício da Idade Média em seu livro “The Masonic Myth” onde cita:
“Apesar de toda a controvérsia sobre a maçonaria e seu papel na história, é inegável que a ordem tem um legado duradouro em todo o mundo. A maçonaria é muito mais do que uma sociedade secreta ou um clube exclusivo de homens; é uma instituição multifacetada que tem sido uma força para o bem em muitas comunidades e tem inspirado pensadores, artistas e líderes ao longo dos séculos.” (p. 8)
Embora as corporações de ofício tenham sido dissolvidas há muito tempo, suas tradições e conhecimentos foram transmitidos através das guildas e outras organizações de artesãos e comerciantes. Eles ajudaram a moldar o mundo que conhecemos hoje, e suas técnicas e habilidades ainda são valorizadas em muitas áreas, incluindo a construção e a fabricação de produtos artesanais.
No livro, “The Craft: A History of English Freemasonry”, John Hamill e Robert Gilbert abordam a história da maçonaria, incluindo suas origens possíveis nas guildas e corporações de ofício. Essa citação mostra a evolução da maçonaria a partir de guildas operativas e como os símbolos e práticas da antiga arte da pedra foram transformados em um sistema ético e moral abrangente para seus membros:
“A maçonaria evoluiu a partir de uma série de guildas operativas que treinavam e cuidavam de seus membros, adotando algumas das práticas e símbolos do antigo ofício de pedreiro e transformando-os em um sistema moral e ético abrangente para seus membros.”
(Hamill, 1986, p. 11)
A história das Corporações de Ofício é fascinante e sem dúvida produziu várias obras literárias que influenciam até os dias de hoje no teatro e no cinema.
Em abril de 2019, o mundo assistiu assombrado o incêndio na Catedral de Notre Dame, no bairro de Île de la Cité, em Paris. Existem algumas teorias e especulações sobre a placa[3] com o esquadro e compasso dos maçons operativos encontrada após o incêndio na Catedral. No entanto, não há confirmação oficial ou informações conclusivas sobre sua origem ou significado. Alguns sugerem que a placa pode ter sido deixada por um maçom operativo que trabalhou na construção da catedral durante a Idade Média, enquanto outros acreditam que a placa pode ter sido colocada durante a restauração da catedral no século XIX, quando a maçonaria estava em alta na França.
As chamas consumiram a majestosa Catedral de Notre Dame, deixando para trás apenas escombros carbonizados e memórias amargas. No entanto, no meio da devastação, uma descoberta intrigante foi feita. Uma placa com o símbolo distintivo dos maçons operativos — o esquadro e o compasso — foi encontrada entre os destroços.
A descoberta despertou uma série de perguntas sobre o papel dessas guildas de construtores na história da França e do mundo. Desde os tempos medievais, esses artesãos altamente qualificados trabalharam em algumas das mais impressionantes obras arquitetônicas do mundo, incluindo a própria Notre Dame.
Os maçons operativos foram, sem dúvida, os construtores mais qualificados de sua época. Eles eram mestres em suas artes e ofício, tendo estudado por anos para aperfeiçoar suas habilidades. Eles eram altamente respeitados por seu conhecimento e experiência, e seus serviços eram muito requisitados por nobres e monarcas.
Essas guildas também tinham um código de ética rígido, que foi transmitido de geração em geração. Eles acreditavam que a construção de grandes estruturas era uma forma de arte e que suas habilidades eram dadas por Deus. Eles eram conhecidos por sua devoção à qualidade e à excelência em tudo o que faziam.

A placa encontrada na Notre Dame é um lembrete da contribuição valiosa que esses artesãos fizeram para a história e para a humanidade. Seus trabalhos são uma manifestação permanente de suas habilidades e devoção à arte da construção. É uma homenagem a esses homens e mulheres altamente qualificados e dedicados, cujas habilidades e conhecimentos têm resistido ao teste do tempo. Também é uma lembrança da importância de preservar e proteger nosso patrimônio histórico. A Notre Dame é uma das mais impressionantes obras de arte arquitetônica do mundo, e seu incêndio é uma tragédia que afeta a todos nós. A descoberta da placa dos maçons operativos serve como um lembrete de que nosso patrimônio é uma herança valiosa que deve ser protegida para as gerações futuras.
A placa com a bússola, o esquadro e compasso dos maçons operativos encontrados na Notre Dame são uma peça importante do quebra-cabeça histórico, que nos lembra da rica história dessas guildas de construtores. Mais importante ainda, a placa serve como uma lembrança de que o trabalho desses artesãos altamente qualificados ainda pode ser admirado em algumas das mais impressionantes obras arquitetônicas do mundo.

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Notas de rodapé
[1] O Collegia Fabrorum era uma Associação romana na época das grandes conquistas de cidades pelos romanos (iniciada em 500 a.C., até aproximadamente 400 d.C.). Os guerreiros se dedicavam a destruir as construções de todos os tipos, na subjugação dos povos e devido a selvageria das batalhas. Esse grupo de construtores, talhadores de pedras, artistas, carpinteiros, etc., iam atrás reconstruindo o que era de interesse para as tropas e aos comandantes de Roma. Tinha um caráter religioso, politeísta, adorando e oferecendo seus trabalhos, aos seus deuses protetores e benfeitores. É possível que, com a aceitação do Cristianismo pelos romanos, essa associação tenha se tornado monoteísta.
[2] Pompílio foi o segundo rei de Roma, não um imperador. O Império Romano não existia durante o tempo de Pompílio, pois ele governou durante o período do Reino Romano, que precedeu a República Romana e depois o Império Romano. O primeiro imperador romano foi Augusto, que chegou ao poder em 27 aC, vários séculos após o reinado de Pompilio.
[3] Não há evidências concretas que liguem a placa com o esquadro e compasso encontrada na Catedral de Notre-Dame às corporações de ofício, embora muitos acreditem que possa haver uma conexão. É importante lembrar que a placa encontrada na catedral era um símbolo maçônico, que é diferente dos símbolos usados pelas corporações de ofício. Além disso, a presença de símbolos maçônicos em construções antigas não é incomum, uma vez que a maçonaria tem raízes históricas profundas na Europa e seus membros muitas vezes trabalhavam em construções monumentais. De fato, não há registros confiáveis de que tenha sido encontrada uma placa dos maçons operativos nos escombros da Catedral de Notre Dame após o incêndio em abril de 2019. Embora a catedral tenha sido construída em grande parte por maçons operativos nos séculos XII e XIII, não há evidências de que eles tenham deixado uma placa ou outro objeto relacionado à maçonaria em seu interior. Muitas informações imprecisas e boatos circulam na internet, e não foi possível verificar a veracidade das informações.
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