top of page

MAÇONARIA & SOCIEDADE – AS LIÇÕES D`ADOLESCÊNCIA

Ivan A. Pinheiro[1]


MAÇONARIA & SOCIEDADE – AS LIÇÕES D`ADOLESCÊNCIA


MAÇONARIA & SOCIEDADE – AS LIÇÕES D`ADOLESCÊNCIA
Imagem ilustrativa, gerada por IA

Maçonaria & Sociedade é um tema guarda-chuva que possibilita aproximar, a partir das mais variadas perspectivas, as 2 (duas) grandes instituições: como elas interagem (circunstâncias de colaboração, áreas de conflito, etc.); o que de uma pode ser aproveitado pela outra, e vice-versa; problemas e desafios comuns a ambas; entre tantas outras questões. Ao abrigo desse amplo guarda-chuva podem ser encontradas incontáveis reflexões reunidas e delimitadas por subtemas, como é o caso, por exemplo, de Maçonaria & Religião (Gomes, 2004; Tschelakow, 2023), Maçonaria & Política (Leite e Bezerra, 2024), Maçonaria & História[2], Maçonaria & Universidade (Costa, 1998; 2001), Maçonaria & Temas Contemporâneos (Cunha Jr. e Soares, 2019), matérias que, com engenho e arte, em largo senso podem ser apreciadas em associação, pois a Maçonaria, quando de Operativa foi tornada Especulativa, teve alargado o seu escopo de ocupação. Trata-se, desse modo, de trazer ao cotidiano, conferir maior praticidade, bem como tornar o estudo do que refere à Ordem singular e sobremodo agradável.

 

Nessa trilha, Pinheiro e Dutra (2023) trouxeram alguns estudos de caso, iniciativas já exitosas, bem como apresentaram um conjunto de sugestões de como qualquer maçom, direta ou indiretamente, pode ampliar a sua atuação cidadã, notadamente junto aos mais carentes. Pinheiro e Rocha (2023) aproveitaram um tema de oportunidade – a denúncia sobre o trabalho em condição de escravidão na Serra Gaúcha – para perguntar: aonde estavam (e/ou estão) os maçons? Por vezes a oportunidade surge em uma área inusitada, como foi o caso de Pinheiro (2023) que aproveitou o seriado La Casa de Papel[3] para, a partir da música tema (Bella Ciao) e da máscara utilizada pelos personagens, a de Salvador Dalí, fazer um exercício sobre os significados simbólicos, algo já entranhado no cotidiano maçônico.

 

Recentemente, uma das minisséries mais celebradas, também veiculada pela Netflix, é Adolescência; assim, o objetivo desse breve ensaio é, a partir de um dos motivos que têm contribuído para o sucesso do seriado, refletir se, de algum modo, ele poderia ser aproveitado, com benefícios e vantagens no ambiente maçônico. Trata-se, especificamente, da técnica denominada filmagem em Plano-Sequência.

 

Os que desejarem saber um pouco mais sobre o que é o Plano-Sequência podem consultar entre as incontáveis fontes disponíveis na forma de textos, podcasts ou vídeos, diretamente a wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Plano- sequ%C3%AAncia. Para os objetivos deste texto não se faz necessário qualquer aprofundamento técnico e tampouco o histórico sobre o tema, mas antes, por analogia, provocar a seguinte reflexão: cabe estabelecer algum paralelismo com a ritualística maçônica, notadamente com as performances iniciáticas, independentemente do Rito ou Grau?

 

Da fonte mencionada não se faz necessário citar nada mais do que a definição básica: “Plano-sequência, em cinema e audiovisual, é um plano que registra a ação de uma sequência inteira, sem cortes”. À primeira vista a definição encerra um contrassenso em se tratando de uma minissérie, mas tal é tão somente aparente: o evento que dá origem à Adolescência foi desdobrado e gravado em 4 (quatro) episódios, revelando diferentes perspectivas que, embora independentes, se complementam para o entendimento do evento em foco, assim, cada um dos episódios, que não ultrapassam 60 minutos, pode ser filmado em Plano-Sequência. As características do Plano-Sequência são especialmente ressaltadas no gênero drama, senão em toda a tomada, nas partes mais críticas.

 

Mas o que torna o Plano-Sequência tão atraente? A filmagem “sem cortes” (ou, quando existentes, porque tecnicamente indispensáveis, devem ser imperceptíveis) proporciona um grande envolvimento do expectador, como se ao invés de olhar à distância também estivesse em cena, mais do que ao lado, vivendo, incorporado aos personagens. “Sem cortes”, naturalmente, implica em continuidade, tudo se passa como na rotina do cotidiano, a cognição (entendimento) e as emoções (afloradas pelo curso dos acontecimentos que então ganham celeridade) andam a paripassu, praticamente não há tempo para parar e pensar qual será a (melhor) decisão ou a próxima iniciativa ou reação dos atores. “Eu” faria, agiria de forma diferente? Não dá tempo para pensar, o expectador vive e sente, com intensidade, tal qual os personagens. Restam um turbilhão de emoções e muitas questões em aberto para, em momento oportuno, refletir.

 

Qual o “problema” da filmagem em Plano-Sequência? Ela demanda muito, muito ensaio, sobretudo dos atores, mas também da equipe em geral; em outros termos, planejamento meticuloso. Tantos ensaios, por sua vez, exigem um “contrato” lastreado em paciência, perseverança, comprometimento com a excelência, envolvimento, entre outros atributos, pois qualquer erro cometido no curso da filmagem, mesmo se já ao final, obriga a retomada, desde o início, de todo o set - que além da performance dos atores envolve todas as condições ambientais (luz, sonoplastia, demais elementos, etc.). Sobre Adolescência, diz-se que alguns sets exigiram mais do que 15 tomadas.

 

Feitos esses esclarecimentos, retoma-se a questão referente paralelismo: se adotado o Plano-Sequência nas cerimônias de caráter iniciático, estas não teriam as suas mensagens-significados centrais (tanto para o recipiendário quanto para os expectadores, em especial os que mais recentemente foram os protagonistas do drama representado) sobremodo enriquecidas, e por isto indelevelmente registradas em suas memórias para então colher os benefícios que daí poderiam advir? Pessoalmente, não tenho dúvidas em responder afirmativamente. Todavia, resta uma questão a ser equacionada e resolvida: o que acima foi referido como “problema”. Em 15 anos na Ordem eu nunca participei de um treino ou ensaio cujo resultado se aproximasse, mesmo que ainda se mantivesse à distância, das condições minimamente necessárias à realização de um Plano Sequência nas Sessões Magnas, por exemplo, destinadas à Iniciação. E se alguém considera a proposta um devaneio, vale a pena reler o que, sobre a maçonaria inglesa no Brasil, disse Genz (2013, p. 185):

Foi durante o Grão-Mestrado Distrital do E. Ir. Kenneth Lewis Rowland que a “Duke of Clarence” foi transferida para São Paulo, para ser transformada em “Loja de Demonstração”. O acesso para membro da Loja era concedido apenas a Irmãos de reconhecida habilidade ritualística e amplo domínio da língua inglesa. Os cargos eram distribuídos para Irmãos que posteriormente iriam servir em suas Lojas de origem, servindo de referência em matéria de desempenho ritualístico, com cerimônias feitas inteiramente de cor. DESTAQUE MEU


Embora, por falta de conhecimento, nada se possa afirmar sobre as demais Potências e Ritos, em meio às orientações da última edição do Ritual do Aprendiz Maçom (GOB, 2018, p. 70) pode ser lido que “Os rituais devem ser ensaiados constantemente, de modo que todos os oficiais se apresentem seguros de seus papéis nas cerimônias”, e adiante, à p. 72, acresce:

É imprescindível a adequada preparação individual, mediante prévia e atenta leitura deste Ritual, o qual tem que ser rigorosamente executado, tal como nele está disposto, para o perfeito desenrolar de qualquer sessão, sendo recomendado, no caso de Sessão Magna de Recepção (Iniciação), treinamento específico em conjunto, com simulação em Loja, com a presença de todos os que atuarão diretamente no desenvolvimento da Sessão[4]. DESTAQUES NO ORIGINAL


Em que pesem essas recomendações, que vejo antes como determinações, não é o que eu tenho observado. É provável, e tenho a expectativa de que sim, que eu seja um observador isolado, não representativo, mas o que eu sistematicamente tenho presenciado são sessões marcadas pelo improviso e pelo amadorismo de oficiais, invariavelmente alguns ad hoc que, literalmente perdidos, sussurram (mas em volume audível que compromete o tom solene que deveria marcar a cerimônia) à busca de orientação (“em que página está, e agora?”) e que não raro acabam por suprimir trechos da ritualística. Contribui para essa realidade a omissão das Secretarias de Ritualística (e analogadas) que não exercem o devido Poder de Polícia - regulamentação, orientação e, fiscalização -, e na ausência sobretudo desta última as Lojas são “terras ao léu”, geridas sob o voluntarismo dos “Donos de Loja” (Pinheiro, 2023a).


A não observância das recomendações formuladas por Genz e tampouco as determinações contidas nos Rituais do GOB[5], autorizam a pensar que as Sessões Magnas de Iniciação, assim como todas as que se destinam à progressão de Grau[6], em alguma medida (pelos cortes, ruídos, etc.) têm comprometidos os significados simbólicos que encerram, sobretudo os momentos que poderiam ser acentuados pela emoção, fator crítico e que com larga potência suplanta a razão como elemento constitutivo das memórias. E é assim, na falta do encantamento que poderia (deveria!) ser promovido desde os primeiros momentos, que inicia a pavimentação de um caminho que, se não reparado, e ao contrário, for complementado por outros vazios de significados (sessões burocráticas, não planejadas, etc.), pode conduzir à porta para a evasão daqueles que buscaram na Ordem algo mais do que um mero espaço de amizades (ainda que fraternas), relações profissionais ou mesmo para, seja interna corporis ou no mundo profano, ostentar vaidades.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSTA, Frederico G. A Trolha na Universidade. Londrina, PR: A Trolha. Vol. 1, 1998, ISBN 85-7252-074-0; Vol. 2, 2001, ISBN 85-7252-110-0.

CUNHA Jr., Adenilson S.; SOARES, Glauber S. (Orgs.). Maçonaria e Temas Contemporâneos. Vitória da Conquista, BA: Motres, 2019. ISBN 978-65-5001-049-2.

GENZ, Plínio V. A Maçonaria Inglesa no Brasil. São Paulo: Madras, 2013. ISBN 978- 85-370-0874-4.

GOB – Ritual: ritualística e procedimentos do Rito Escocês Retificado, 10 Grau, Aprendiz Maçom. Brasília, DF: Grande Oriente do Brasil (GOB), 2018. ISBN 978-85-88308-29-9.

GOMES, Valdir. Igreja Católica & Maçonaria – verdadeiras razões da divergência. Porto Alegre: Literalis, 2004. ISBN 85-901426-2.

LEITE, Hélio P., BEZERRA, Luiz A. de Holanda (Orgs.). Maçonaria & Democracia. Brasília, DF: A Gazeta Maçônica, 2024.

PINHEIRO, Ivan A. Os donos da Loja & jogos de poder. Disponível em: https://www.freemason.pt/os-donos-da-loja-jogos-de-poder/. Publicado em 05.05.23, acesso em 17.04.25.

PINHEIRO, Ivan A. A Maçonaria, os símbolos, a filmografia e o quotidiano. Disponível em: https://www.freemason.pt/maconaria-simbolos-filmografia-quotidiano/. Publicado em 06.06.23a, acesso em 14.04.25.

PINHEIRO, Ivan P., DUTRA, Lucas V. Iniciativas ocultas & benefícios públicos: uma conversa sobre Maçonaria e beneficência. Disponível em: https://www.freemason.pt/beneficios-conversa-maconaria-beneficencia/. Publicado em 30.05.23, acesso em 16.04.25.

PINHEIRO, Ivan A., ROCHA, Rogério. Onde Estavam(estão) os Maçons? A Trolha, Londrina, PR, n. 440, junho, 2023, p. 27-30.

TSCHELAKOW, Eugenio G. Igreja Católica e Maçonaria – a reconciliação final. Londrina, PR: A Trolha, 2023. Vol. 1, ISBN 978-65-89594-26-0; Vol. 2, ISBN 978-65-

89594-27-7.

 

Notas de rodapé

[1]MM, Pesquisador Independente, e-mail: ivan.pinheiro@ufrgs.br. Porto Alegre-RS, 17.04.25. O autor não só agradece a leitura e as considerações do Irmão Lucas V. Dutra, Mestre Maçom do Quadro da ARLS Presidente Roosevelt, 75, Or. de São João da Boa Vista, jurisdicionada à GLESP - Psicólogo, Professor Doutor em Psicologia, Especializado em Maçonologia (UNINTER), e-mail: dutralucas@aol.com, como também reafirma a sua responsabilidade pelo conteúdo, erros e omissões remanescentes.

[2] Acredito que responda pela maior parte das publicações maçônicas: parte refere à História da Maçonaria, a outra, à Maçonaria no contexto das Histórias nacionais.

[3] Veiculado pela plataforma Netflix.

[4]E, como se já não fosse suficiente, semelhantes orientações, ipsis litteris, são reiteradas nos Rituais do Segundo e Terceiro Grau.

[5] Que, acredita-se, se estendam às demais Potências.

[6] Independentemente de que em alguns casos (ou momentos específicos) os recipiendários tenham os olhos vendados.

 

Comments


bottom of page