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O CONCLAVE 2025


Ivan A. Pinheiro[1]

Alexander Varejão[2]

 

O CONCLAVE, 2025:

Maçonaria & Sociedade, Maçonaria & Religião ou Maçonaria & Política?


O CONCLAVE 2025
Imagem ilustrativa gerada por IA

Maçonaria & Sociedade (M&S) é um tema guarda-chuva que possibilita aproximar e refletir, a partir das mais variadas perspectivas, as 2 (duas) grandes instituições: como elas interagem (circunstâncias de colaboração, tensões latentes, áreas de conflito, etc.); o que de uma pode ser aproveitado pela outra, e vice-versa; problemas e desafios comuns a ambas; entre tantas outras questões. Vale dizer que ora se alude à Maçonaria a partir dos seus aspectos internos (estrutura, funcionamento, idiossincrasias, etc.), mas também enquanto instituição centenária que ocupa, de fato ou no imaginário de muitos, um papel relevante e ainda repleto de mistérios na sociedade. Ademais, M&S é o guarda-chuva temático de maior abrangência e sob o qual 2 (dois) subtemas podem ser organizados: Maçonaria & Religião (M&R) e Maçonaria & Política (M&P), mas separá-los é tão somente um recurso didático, apenas na aparência (pela denominação) são domínios estanques.


O olhar reducionista permite aprofundar a análise de cada um dos aspectos da complexidade do objeto de estudo (como é o caso de M&R), mas ao tomar distância das fronteiras com os demais objetos (a exemplo da M&P) aumentam os riscos de o observador perder o senso de sentido só proporcionado pela visão em perspectiva, igualmente importante, indispensável até. Bem a propósito, o estudo crítico da história do cristianismo se presta à ilustração:

  • ele tanto pode ser levado a efeito e focado em um ou mais dos principais marcos cronológicos, a exemplo do “cristianismo” primitivo, “cristianismo” gnóstico vs ortodoxo (Pagels, s.d.), pré vs pós Niceia, antes vs após o Édito de Tessalônica, cânone vs heresias, antes vs pós 1054, idem em relação à Reforma (séc. XVI), bem como ante a alguns dos principais concílios; mas também

  • pode ser estruturado e apreciado enquanto um macro fenômeno histórico-sociocultural-religioso, em grande medida, mas não exclusivamente ocidental, de larga abrangência e permeando os mais diversos espectros da sociedade.


A primeira abordagem oportuniza, por exemplo, conhecer a fundo cada período (os eventos, os usos e costumes vigentes à época, os personagens-chaves, os seus relacionamentos e motivações idiossincráticas, as dinâmicas internas dos microfenômenos, etc.), de regra considerado isoladamente, bem como pode promover a crítica interna; já a segunda privilegia a identificação e a análise em perspectiva cronológica de elementos essencialmente externos: as esferas de governos (locais, regionais, etc.), os movimentos geopolíticos (guerras, alianças, etc.), as crises e as oportunidades exógenas, as condições de sucesso-fracasso à luz do espaço-tempo, o surgimento e a evolução dos movimentos contemporâneos análogos (crenças e religiões) e concorrentes, entre outros aspectos. Ainda: enquanto a primeira possibilita a crítica e até se surpreende com as condições de existência do fenômeno tal como percebido, a segunda passa ao largo e o trata como fato consumado; assim, o que resta é apreciar os impactos na sociedade ao invés de trazer à discussão as suas origens e minúcias. Uma abordagem, é claro, não exclui a outra, e para a melhor compreensão dos fenômenos as 2 (duas) se complementam.


Assim, em linguagem mais formal, o que ora se anuncia é um ensaio que combina análises-sínteses (colhidas em fontes secundárias) ou, em expressão mais popular, um ensaio no qual ora o foco se dirige à árvore, ora à floresta, e vice-versa, em um contínuo com vistas a ampliar a compreensão.


Um evento recente, o conclave que elegeu o novo ocupante da cátedra papal, oportuniza que, ao fazer um exercício especulativo se demonstre que as fronteiras anteriormente referidas são antes e tão somente instrumentos mentais, estratégias de pensamento no sentido à melhor compreensão da realidade (ao mesmo tempo que resiste ao abandono de minudências relevantes), daí que insistir que sejam constituídas por uma realidade concreta e intransponível, não tem outro efeito que não o de dificultar a apreensão, a compreensão e a projeção da realidade em toda a sua complexidade. E não se trata, aqui, de uma compreensão diletante, mas antes compreender para agir proativamente do que reagir em sociedade. Ademais, em linha com uma das mais recentes reflexões (Pinheiro; 2025, 2025a), a condução da narrativa demonstrará, também, como a partir de episódios a exemplo do conclave, não só é possível exercitar a análise e a interpretação simbólica - para muitos o cerne da Maçonaria – como as condições necessárias ao empreendimento: cultura geral.   


Apesar de todas as negativas (e há sólidos argumentos para defender que não é uma Religião), à Maçonaria se aplica o adágio popular: “tem rabo de porco, tem corpo de porco, tem orelha de porco, tem perna de porco, mas não é porco”; todavia, para muitos, a julgar pelas atitudes e comportamentos, é sim, o que se depreende, por exemplo, a partir dos trabalhos (regulares e extraordinários) apresentados em Loja aberta, não sem antes a orientação e a autorização da Luzes, mas também pelo que se observa nas redes sociais, onde diariamente proliferam citações bíblicas e manifestações de fé (relativas aos mais diversos temas) seguidas de incontáveis emojis e emoticons de aprovação. Em outras palavras, enquanto os documentos da Ordem afirmam e reafirmam que ela não é uma religião, pelas atitudes e comportamentos, os próprios Quadros agem como se fosse, o que não deixa de confundir.


De outro lado, não é propósito, por ora, trazer esse assunto à debate, mas para que ninguém pense que se está a brincar com coisa séria, leia-se, entre outros, a pesquisa de Ankerberg e Weldon (1995), com especial atenção à abordagem metodológica utilizada. Em trabalho mais ampliado os mesmos autores (1995a, p. 59) destacam:

O estudioso Albert Pike declara que “toda Loja maçônica é um templo de religião; e seus ensinos são instruções de religião”. Mais tarde explica que “a recompensa do maçom é o conhecimento do Verdadeiro Deus” e que “a Maçonaria é uma adoração [...] É a religião universal, eterna, imutável, tal como Deus plantou no coração da humanidade” [...] Carl H. Claudy ensina que “Deus é a própria urdidura e textura da Franco-Maçonaria [...] Tire Deus da Franco-Maçonaria e, literalmente, nada restará” [...];

Se a Maçonaria é uma religião (conforme até mesmo os estudiosos maçons admitem), por que então quase todos os maçons alegam que a Maçonaria não é uma religião? A razão é esta: a Loja não poderia ganhar tantos convertidos se fosse conhecida como outra religião. Parece que o engano é necessário a fim de manter os membros antigos e ganhos novos.  


Reitera-se: o objetivo, por ora, não é ser conclusivo, mas tão somente trazer à evidência de que se trata de tema (M&R) que pela própria estrutura e funcionamento da Maçonaria – pulverizada em Ritos tão diversos (e sempre cabe mais um) que aos olhos do estudioso causa estranheza serem espécies do mesmo gênero; vide, p. ex., Pinheiro e Piva (2025) -, ainda se encontra em disputa e certamente por muito tempo continuará alimentando o mercado editorial[3], portanto, sempre atual e, dadas as circunstâncias, o resgate se revela oportuno.  


E no que tange à M&P importa resgatar uma das mais frequentes citações encontradas na bibliografia maçônica, a versão a seguir foi extraída de Pinheiro (2024):

VI - DO COMPORTAMENTO [...] 2. Comportamento depois do fechamento da Loja e antes da saída dos Irmãos: Podeis divertir-vos com Júbilo inocente [...] porém evitando todos os Excessos [...] ou ainda fazer ou dizer qualquer coisa ofensiva, ou que possa coibir uma Conversação fácil e livre; pois isso arruinaria nossa Harmonia e destruiria os nossos louváveis Propósitos. Por isso, não devem ser trazidos para dentro da Porta da Loja, nenhum Ressentimento ou Querela em especial, muito menos quaisquer Querelas sobre Religião, Nações, ou Política de Estado, de vez que sendo apenas Maçons, da Religião Católica acima mencionada, nós também somos de todas as Nações, Línguas, Parentescos e Linguagens e somos resolutamente contra toda Política, que até hoje nunca conduziu e nunca conduzirá ao Bem-Estar da Loja. Este Dever tem sido sempre estritamente ordenado e observado; mas especialmente desde a Reforma na BRETANHA, ou a Dissidência e Secessão dessas Nações da Comunhão com ROMA. (ANDERSON, 2012, p. 157)


Ora, também aqui causa estranheza aos sentidos mais atentos que uma Ordem que a todo o momento evoca e celebra a sua participação direta nos eventos políticos mais relevantes do país - no caso do Brasil os exemplos mais frequentes são (1) a luta pela Independência, (2) o movimento Abolicionista e (3) a Proclamação da República, entre outros -, formalmente interdite o debate político em Loja quando, há evidências, que foram também em Loja aberta que os mesmos se deram por ocasião dos episódios que resultaram nos marcos enumerados. E conforme já reiteradas vezes apontado, os maçons, porque sempre estiveram dos 2 (dois) lados dos conflitos (a favor da manutenção dos vínculos com Portugal vs independência, escravocratas vs abolicionistas, imperiais vs republicanos, revolucionários Farroupilhas[4] vs fieis ao Império, etc.), antes mesmo do término das escaramuças, a priori havia maçons que independentemente de qual lado visse a sê-lo, já se poderiam considerar ombreados com os (princípios, ideais, valores) vencedores, o que sugere que tais exaltações devem sempre ser vistas, quando muito, com moderado envaidecimento e orgulho pois, tivesse sido o “outro lado, o vencedor”, caberia o mesmo discurso. E talvez esse, e não o de Anderson (o do comprometimento da harmonia interna corporis), seja o principal argumento para que a Ordem, enquanto instituição e através das suas diversas instâncias (Lojas, Grandes Lojas e correlatos), não se imiscua em assuntos de matéria política de caráter essencialmente ideológico, partidário e sectário[5].


Feitas essas considerações preliminares, 3 (três) questões merecem ser sublinhadas porque orientam a discussão que se segue: (1) independentemente das considerações de mérito, internamente à Maçonaria, a abordagem mais adequada tanto no que refere à temática religiosa quanto à política, para muitos ainda guarda controvérsias; (2) formal e oficialmente é vedado aos Irmãos discutirem religião e política em Loja aberta, e tampouco cabem às hierarquias manifestações pertinentes às matérias; e, (3) reitera-se: a separação entre religião e maçonaria é, nos termos vistos acima, em alguma medida arbitrária, portanto artificial.


É devido às tensões, à miopia e ao vácuo de gestão no entorno de (1 e 2) que, apesar das disposições em contrário, mesmo no que refere à política ideológica-partidária, não é o que se verifica, por exemplo, no Brasil: atendo-se ao passado mais recente, de maior amplitude e conhecimento público geral, não há exemplo mais eloquente do que a tentativa de “colar a imagem” da Maçonaria à do ex-Vice-Presidente, General Mourão – senão antes, desde então, notório maçom. A ascensão meteórica conferida ao General que, de acordo com Ismail (2019) “[...] galgou os 30 altos graus do Rito Escocês em menos de um mês, o que, observando os interstícios regulamentares, levaria, pelo menos, seis anos.”, não só assegurou amplas manchetes em todas as mídias como, no âmbito interno criou novas e ampliou velhas fissuras, cujos Quadros arguiram princípios (justiça, equidade!) e coerências, questões sempre tidas como muito caras à Ordem. E como ler essa concessão, ainda que estatutariamente admitida, se não como um manifesto (de alinhamento e apoio) político público emitido pela Maçonaria[6]? Mas esse, é claro, não foi o único exemplo[7], embora com nem tanta pompa e circunstância, já fora conferido destaque e largamente publicizado o passado maçônico do ex-Presidente M. Temer. E não há dúvidas de que, passado algum tempo, quando os aspectos negativos dos quais nenhum governo escapa constituírem então uma vaga lembrança, tais registros, tanto os internos e oficiais quanto os públicos, serão utilizados para destacar (procedente ou não) o papel e a relevância política da Maçonaria no ambiente da República brasileira no primeiro quarto do séc. XXI. E se o exemplo, como se diz, vem de cima, não há como, sob a pena da arguição de hipocrisia e contradição, interditar, em Loja aberta, o debate político, ainda que se dê de forma velada e contida. Já em meio às redes sociais, a polarização (“esquerda vs direita”, “progressistas vs conservadores”, “modernistas vs tradicionalistas”)[8],  é amplamente disseminada, e em praticamente todos os grupos maçônicos já exerce os seus efeitos deletérios.   


E no que concerne a (3), o conclave oportuniza demonstrar como e quanto a Maçonaria, a Religião (ora representada pelo catolicismo) e a Política, em alguns aspectos, estão amalgamados, o que significa dizer: de impossível separação dos seus componentes elementares e, por consequência, os diálogos e debates que fluem por entre os domínios. O pontificado de Francisco I, 2013-2025, foi marcado por grandes controvérsias, nem todas tornadas públicas e tampouco as que vieram a sê-lo, admite-se, sejam do pleno conhecimento e estejam presentes na memória da maioria dos fiéis, sobretudo no que refere à avaliação dos impactos e das repercussões políticas das suas iniciativas e manifestações. Assim, enquanto alguns o admiram pelas práticas inclusivas (a exemplo de ter alçado as mulheres às posições de comando até então privativas dos prelados, bem como ter acolhido o coletivo, sempre crescente, mas até o momento representado pela sigla LGBTQIAPN+[9] e contemplado pautas da chamada agenda woke[10]), outros o criticam exatamente por ter defendido estas pautas (supostas contrárias à doutrina e ao evangelho), mas também e sobretudo pela sua ação política, como é o caso de ter colocado a Igreja no centro dos debates sobre matérias polêmicas, a exemplo da questão ambiental, dos refugiados e migrantes, bem como ter, de forma inédita e inusitada, ter se aproximado do governo chinês em que pese, da parte deste, o cometimento de violações de direitos humanos, em especial contra os católicos. Por conta dessas iniciativas, Francisco I passou a ser identificado como “progressista”, o que significa alinhamento com as pautas defendidas pelos Partidos à esquerda do espectro político. Se discutível quando analisado a partir de cada um de seus componentes, em perspectiva ampliada o chamado “legado de Francisco” - atividade missionária e evangelizadora comprometida com o social (minorias e carentes de toda ordem), organizada de “baixo para cima”, por isto mais democrática e participativa (daí o peso das expressões magistério conciliar e igreja sinodal), entre outros aspectos - é dado como verdadeiro. Em síntese, com o perdão da expressão reducionista, se de um lado o Papa era apoiado e amado por muitos, estava longe de ser uma unanimidade, pois outros tantos o viam como um herege, o anticristo, um efetivo instrumento-inocente útil a serviço da Nova Ordem Mundial, a do Estado Globalista, ombreado com a Maçonaria que já estaria infiltrada na Igreja - o leitor interessado em aprofundar-se no assunto poderá, para uma leitura mais ponderada e com embasamento doutrinário, consultar Nougué (2017); uma visão mais extremada pode ser encontrada por entre as inúmeras publicações disponíveis no blog “Desde Espanha”[11], recentemente reativado; e por fim, para obter uma visão panorâmica – Nova Ordem Mundial, geopolítica, Maçonaria, Igreja e outros -, leia-se Pinheiro (2023, 2025b).


Por oportuno, pois sempre haverá quem entenda o contrário, não se sugere, aqui, a existência de relacionamentos institucionais entre a Igreja e a Maçonaria, e tampouco de Lojas secretas internas à Sé e que abrigariam as reuniões dos prelados, e menos ainda que estes se reúnam nas Lojas públicas, mas antes e acima de tudo, do compartilhamento de ideais responsáveis (motivações) por colocar em movimento a engrenagem da ação política. E é importante também ter claro que não é porque determinadas pautas sejam de interesse comum, que as partes necessariamente estejam atuando de modo deliberadamente articulado; nem toda a ação estratégica é obrigatoriamente planejada, muitas são produtos de oportunidade – em outros termos: por vezes até mesmo a ação de um inimigo pode vir a nos favorecer.


As frequentes exposições públicas de Francisco I (viagens com ampla cobertura das mídias e entrevistas) ao ganharem forma em vasta produção intelectual – encíclicas e exortações apostólicas – foram determinantes para que as suas manifestações (1) não só de fato, mas também de direito tenham afastado a Igreja da sua vocação e missão espiritual em favor do franco envolvimento direto com as questões seculares, tornando-a assim, antes, um agente político, (2) bem como criado as condições para a apropriação pelos clássicos mecanismos de transmissão da ação política:

  • as ideias disseminadas na sociedade, organizadas e mediadas pelos Partidos Políticos ascendem, pela via da eleição de representantes, aos Poderes do Estado Democrático e de Direito. No curto e médio prazos os representantes, quer a partir do Parlamento ou do Poder Executivo[12], promovem as alterações nos marcos legislativos e/ou implementam as políticas públicas alinhadas, e se necessário redesenhadas a partir das ideias, das promessas e dos compromissos assumidos junto aos eleitores. Ganha curso, assim, a engrenagem das transformações sociais, da realidade cotidiana. As mudanças a partir do Poder Judiciário, dos operadores do direito em geral (advogados, promotores, procuradores, defensores, juízes e auxiliares) são mais lentas porque dependentes das estruturas orgânicas e dos regramentos internos das respectivas instituições, cuja inércia (resistência à mudança) é, com justa motivação, maior. Todavia, com o tempo, alguns agentes ocupantes do cargos-chaves, alinhados[13] com a cosmovisão hegemônica nos Poderes Executivo e Legislativo, dão início a um movimento de (re)interpretação da legislação que, assim, à luz dos casos concretos forma, adequa e consolida o novo pensamento (visão de mundo) que, então, dará apoio aos eventuais questionamentos encaminhados contra as iniciativas dos Poderes eleitos. E assim, o que era voto minoritário e vencido nos tribunais e nas mais altas Cortes, aos poucos ganha corpo, torna-se a maioria e consagra uma nova realidade a partir da redefinição de conceitos até então supostos estabelecidos, consolidados, como é o caso de família, casamento, liberdade (em todas as suas formas de manifestação), esfera privada vs esfera pública (interesse, privacidade), patrimônio privado vs bens públicos e outros. E no vácuo da iniciativa do Legislativo (e por vezes do Executivo), o Judiciário, ao responder às demandas que lhes são encaminhadas (muitas são claramente estratégias de lawfare), ato contínuo estabelece jurisprudências, um corpus legislativo não legislado (isto é: proposto, debatido na Comissões, aprimorado e votado no Parlamento) que por vezes adentra nas competências dos demais Poderes.


Visto o mecanismo geral que conduz das ideias à transformação da realidade pela via da ação política, a conexão com a atuação política da Igreja é imediata: das encíclicas e exortações são extraídas as ideias-chaves (vistas também como propostas) que serão exploradas pelas mídias, estudadas pelos acadêmicos (o gera novos documentos), nos centros de estudos  e pesquisas (por vezes referidos como think thanks) e, por representarem o posicionamento oficial da Igreja, são utilizadas pelos milhares de sacerdotes nas suas homilias diárias[14] ao redor do mundo, atingindo um público estimado em 1,5 bilhão de pessoas[15]. Tendo vista que grande parte do público alvo (fiéis) são ou em breve serão eleitores torna-se imediata a inserção no mecanismo de transmissão apresentado.


Está assim, pois, estabelecida a conexão Religião & Política. E considerando, como visto anteriormente, que a Maçonaria está relacionada com ambas, as fronteiras em M&S, M&R e M&P são difusas, permeáveis e arbitrárias, atendem mais às conveniências do momento do que encontram correspondências com o mundo real. As mentes mais instruídas e habilidosas (notadamente, mas não exclusivamente entre os representantes políticos) transitam livremente de um domínio para o outro, ora se posicionam de um lado para acusar o outro para no momento imediatamente subsequente trocar de lado, mas também e quando oportuno se valem do outro (como objeto útil) e vice-versa, bem como, quando necessário e conveniente alegam em perspectiva de neutralidade. Por evidente que por detrás de tudo (de uma visão e políticas mais à esquerda ou à direita) existem enormes interesses econômicos e financeiros.


E conforme prenunciado, o passamento de Francisco I oportunizou a realização de um exercício de simbolismo, atividade muita cara ao maçom. Passados os primeiros momentos de consternação pelo seu falecimento, de imediato começaram as especulações sobre quem seria o próximo a ocupar o Trono de Pedro. A maior indagação, contudo, era se o sucessor de Francisco I, quem quer que viesse a sê-lo, daria ou não continuidade ao seu legado. Assim, grosso modo, os candidatos, sobretudo os supostos como mais prováveis[16] (pelas funções administrativas-políticas que já exerciam na Cúria romana, pelas suas reiteradas manifestações e exposições públicas, reconhecimento de liderança, etc.), de pronto foram classificados em 2 (dois) grandes grupos: os progressistas (seguidores do Legado de Francisco I) vs conservadores, restando ainda um terceiro grupo - o dos posicionados ao centro. A analogia com o ambiente político não poderia ser mais evidente. Para inferir quem seria colocado em qual grupo, vários indicadores foram utilizados para justificar a lógica subjacente a cada enquadramento: aonde nasceu, viveu, as condições familiares, aonde estudou, autores e citações preferidas, eventuais mentores, cargos ocupados, realizações, etc.


O Cardeal Robert Francis Prevost, eleito Papa pelo Colégio Cardinalício, ao escolher o nome de Leão XIV, deflagrou então uma nova onda de exercícios simbólicos-especulativos a partir da leitura de alguns tênues sinais emitidos:  

  • o nome - a escolha do nome Leão XIV aponta para um compromisso com a Doutrina Social da Igreja e surpreendeu a muitos, agradando tanto fieis quanto os bastidores da Igreja (alguns fieis explodiram em comemoração). De outro lado, ao não escolher o esperado nome João XXIV, nome que simbolizaria uma continuidade mais explícita com o Concílio Vaticano II e a Igreja sinodal pregada pelo Papa Francisco I, também passou um recado claro. Segundo o próprio Leão XIV, sua escolha foi inspirada pelo compromisso social do papa Leão XIII e sua histórica encíclica Rerum Novarum[17] (1891), que marcou o nascimento da Doutrina Social da Igreja (DSI) como resposta cristã aos desafios da Revolução Industrial. Como destacou em seu discurso inicial, o Santo Padre vê na Rerum Novarum (RN) como um patrimônio doutrinário sólido e definitivo, capaz de iluminar os desafios contemporâneos, como a nova revolução industrial e o avanço da inteligência artificial, que exigem uma defesa renovada da dignidade humana, da justiça e do trabalho. Ademais, a RN constitui oposição direta à Teologia da Libertação (TL) e também a correntes políticas mais à esquerda do espectro político - a DSI (e especialmente a RN) se posiciona claramente contra suas interpretações mais radicais e politizadas. São pontos a considerar:

o   a RN, ao afirmar que a solução para os problemas sociais não está na luta de classes ou na revolução violenta, mas na promoção da justiça social dentro da ordem moral e da dignidade da pessoa humana, rejeita o materialismo histórico e o marxismo que influenciaram parte da Teologia da Libertação;

o   a encíclica enfatiza o direito à propriedade privada, o papel mediador do Estado e a importância da cooperação entre patrões e empregados, rejeitando o coletivismo e o estatismo extremos defendidos por algumas correntes de esquerda;

o   o papa Leão XIV, ao se inspirar em Leão XIII, sinaliza uma posição crítica frente aos espectros políticos mais à esquerda, que muitas vezes instrumentalizam – até então com o apoio direto de Francisco I - a fé para fins ideológicos, desviando-se da verdadeira missão da Igreja;

o   a DSI é, pois, um equilíbrio entre justiça social e respeito à ordem natural;


  • Francisco I, na Argentina, Leão XIV, no Peru, ambos tiveram larga experiência missionária, travaram contato direto com os desafios (saúde, educação, violência, drogas, sexualização infantil, etc.) encontrados nas periferias e nas comunidades mais pobres. Apesar dessas similitudes, a declaração “ser filho de Santo Agostinho” sugere que: (1)  paralelamente à atividade missionária, a Igreja, senão retomará (porque de fato nunca abandonou) a sua missão, fortalecerá a pregação espiritual no sentido à salvação das almas (já na sua primeira missa ele reforçou a centralidade de Cristo Salvador), que lhe é própria, exclusiva até;  bem como (2) que, ainda que lastreado de baixo para cima a partir do trabalho pastoral e do permanente diálogo com as realidades locais, será fundamentado na doutrina e na fé, portanto, de menor conteúdo secular;

  • quebrar o protocolo, leia-se: a tradição, e se expressar em espanhol já na sua primeira fala aos fiéis, pode ter sido um simples gesto de gentileza e reconhecimento pontual em um momento singular, no qual os olhos do mundo estavam atentos à Sé, mas também exatamente por isto, por alguns foi percebido como uma mensagem de que a América Latina terá um lugar privilegiado no seu pontificado, e não, por exemplo, a Europa. Tivesse se expressado em inglês, seu idioma nativo, as ilações teriam sido completamente diversas. Em que pese a universalidade da Igreja, são sinais que podem antecipar alguns movimentos e prioridades pois, afinal, todos os recursos são escassos; por fim, mas sem exaurir os sinais à espera de interpretação para inferência,

  • não passou despercebido, pelo contraste, a indumentária com a qual se apresentou Leão XIV e a utilizada por Francisco I: enquanto este optou por uma batina branca, despojada[18] e uma cruz de ferro, tendo dispensado tanto a estola[19] quanto a mozzeta[20], o primeiro resgatou a tradição. Essas vestes, clássicas, carregam séculos de tradição e simbolismo, expressando a autoridade, a pureza, o serviço pastoral e a continuidade da Igreja Católica, daí que, aos usá-las, à semelhança do que fizera Bento XVI, Leão XIV retoma um estilo papal mais sóbrio, solene e tradicional.


A eleição, em tempo recorde frente às últimas edições, também alimentou especulações: estaria a Igreja enfrentando uma crise tão grave, alargada por Francisco I, que a Sé não poderia ficar demasiado tempo vacante, dias que fossem? Alguns responderiam afirmativamente, inclusive porque revelador do verdadeiro caminho da Igreja. Já outros entendem que após um “Papa conservador, de direita”, teria havido um “progressista, de esquerda” e, agora e naturalmente, um “de centro”. Como se percebe, até mesmo ao que se supõe que de origem não é (fosse) revestido de caráter simbólico, pode ser atribuído um novo significado, o que por vezes não se presta a outra finalidade que não às teorias conspiratórias que não raro escondem interesses difusos. Se é verdadeira ou não, não se sabe, mas a manifestação atribuída a S. Freud revela-se assaz oportuna: “Às vezes um charuto é apenas um charuto".


Por oportuno, é importante ainda observar que praticamente todas as análises e inferências simbólicas focaram na trajetória de Leão XIII, mas antes dele, é claro, estiveram à frente da Igreja Católica Apostólica Romana, 12 Papas denominados Leão “...”. Haveria algum elo, algum traço de continuidade que teria levado cada um a se inspirar no anterior e persistiria este traço ainda e até hoje? Nesse caso, seria ele - esse denominador comum e histórico - e não o legado de Leão XIII que teria motivado a escolha do nome pelo Cardeal Prevost? Impossível, por ora, responder, pois a resposta demanda estudos mais aprofundados, assim como toda e qualquer análise e interpretação simbólica.


E em meio aos maçons, para alguns a escolha do nome “caiu como uma bomba”, pois se Leão XIV efetivamente se propõe a ser sob todos os aspectos um continuador de Leão XIII, os ecos de uma encíclica anterior, a Humanum Genus[21] (1884), documento exclusivamente dedicado contra à Maçonaria e aonde tanto Sto. Agostinho quanto São Francisco, aquele bem mais do que este, são citados, cedo ou tarde (os ecos) ressoarão sobre a Maçonaria contemporânea – mas isto é tema para outro texto. Todavia, antecipa-se: se de um lado existem semelhanças entre o mundo do final do séc. XIX e o do início do séc. XXI (mudanças tecnológicas de caráter paradigmático, novas relações de trabalho, desigualdades que beiram à desumanidade, e outras), não menos relevantes são as diferenças entre os dois momentos; cautela, pois, com os anacronismos. De outro lado, e por oportuno, o fato de a Humanum Genus ter antecedido a Rerum Novarum, em si mesmo, não pode passar sem registro. A ver.


Este ensaio, na sequência de outros que também carregam como título principal “Maçonaria & Sociedade”, procurou:

  • esclarecer que as fronteiras entre Política e Religião são difusas, daí que qualquer tentativa de delimitação, com rigor, não escapará ao enquadramento de ser arbitrária;

  • demonstrar que, em que pese a interdição do debate e do envolvimento da Maçonaria com a Política, historicamente, no Brasil, ele tem sido muito presente, a começar pelos exemplos da hierarquia superior;

  • explicitar os mecanismos que conectam a Religião à Política, e vice-versa, do que resulta um efetivo amálgama. Ademais, acredita-se ter ficado claro os vínculos que conectam a Maçonaria aos 2 (dois) domínios – Religião e Política – e, por fim,

  • recorreu a um episódio extraordinário, o falecimento de um Papa e a escolha do seu sucessor, para realizar um exercício especulativo inferencial a partir dos sinais emitidos ao longo deste processo, vistos então como símbolos prenhes de significados a espera de desvelamento.


Para um cenarista que trabalha com prospecções (econômicas, geopolíticas, etc.) para a tomada de decisões (pessoais, corporativas, governamentais, etc.) esse foi apenas o ponto de partida, segue-o o monitoramento das inferências, a diuturna verificação entre previsto vs realizado, a análise das causas dos desvios, a prospecção de novos sinais no radar, etc.


Ao final, retorna-se então às primeiras palavras:  Maçonaria & Sociedade (M&S) é um tema guarda-chuva que possibilita aproximar e refletir, a partir das mais variadas perspectivas, as 2 (duas) grandes instituições: como elas interagem (circunstâncias de colaboração, tensões latentes, áreas de conflito, etc.); o que de uma pode ser aproveitado pela outra, e vice-versa; problemas e desafios comuns a ambas; entre tantas outras questões. Em outros termos, M&S se propõe a provocar reflexões de ordem prática, trazer uma parte da Maçonaria, no caso a que exercita o simbolismo, para o cotidiano.  

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANKERBERG, John; WELDON, John. Os Ensinos Secretos da Maçonaria. São Paulo: Vida Nova, 1995a. ISBN 85-275-0216-X.

ISMAIL, Kennyo. Maçonaria Brasileira – a história ocultada. Brasília, DF: No Esquadro, 2021, Vol. I (ISBN 978-65-993785-0-8; Vol. II (ISBN 978-65-993785-1-5).  

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PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. São Paulo: Cultrix, s.d.[22]

PINHEIRO, Ivan A. Maçonaria & Sociedade – as lições d`Adolescência (continuação). Disponível em: https://www.maconariacomexcelencia.com/post/maconaria-sociedade-as-licoes-d-adolescencia-continuacao. Publicado em: 28.04.25, acesso em 10.05.25.

______ . Maçonaria & Sociedade: as lições d`Adolescência. Disponível em: https://www.freemason.pt/maconaria-sociedade-as-licoes-dadolescencia/. Publicado em 26.04.25a, acesso em 01.05.25.

______ . O Rito Escocês Retificado e a Perseguição aos Cristãos no Cenário da Geopolítica Contemporânea. Revista Magister Magistrorum, n. 7, 2025b, p. 9-18.

______ . Maçonaria & Política – I. Ad Lucem, v.1 n.3, p. 15-23, Jan, 2024. Disponível em: https://www.adlucem.com.br/article/doi/10.4322/2763-6070.2024002. Disponível também em: https://www.freemason.pt/maconaria-politica-i/.

______ . A Maçonaria & O Regime (Rito) Escocês Retificado no Contexto da Nova Ordem Mundial. Disponível em: https://www.freemason.pt/maconaria-rer-geopolitica/. Publicado em 31.05.23, acesso em 08.05.25.

______ . Maçonaria: conservadora ou progressista? Revista Magister Magistrorum, Ed. 05, Ano II, Setembro, 2022, p. 24-34.

PINHEIRO, Ivan A.; PIVA, Marco A. RER – Cadernos de Estudos XI – uma abordagem quanti-qualitativa à questão do cristianismo no Regime (Rito) Escocês Rectificado x Rito Moderno. Disponível em: https://www.freemason.pt/cadernos-de-estudos-xi-o-rito-escoces-rectificado/. Publicado em 15.01.25, acesso em 08.05.25.


Notas de rodapé

[1] MM, Pesquisador Independente, e-mail: ivan.pinheiro@ufrgs.br. Porto Alegre-RS, 11.05.25.      

[2] MM, Pesquisador Independente, e-mail: pesquisas.primeirodiscipulo@gmail.com.  

[3] Um dos mais prolíficos, inesgotável porque o tema, de origem (método: pessoal, subjetivo, opinativo), tem sido tratado de modo que o resultado não poderia ser outro que não o inconclusivo, e também por isto a maioria dos títulos pode ser considerada como mais do mesmo.

[4] Revolução de caráter republicano e independentista ocorrida no estado mais meridional do Brasil, o Rio Grande do Sul, ocorrida de 1835-1845 e que contou com o apoio do estado de Santa Catarina, sua fronteira ao norte.

[5] Para maior entendimento sobre o que circunscreve o que ora se denomina como “política” vide Pinheiro (2024) e a série de 9 (nove) artigos que deu origem, publicada no blog Freemason; disponível em https://www.freemason.pt/maconaria-politica-i/ e outros.

[6] Para os fins ora considerados e aos olhos da sociedade não vem ao caso, é irrelevante, se a iniciativa partiu da Potência A, B ou C, pois aquela desconhece como essa se organiza, “é tudo igual”.

[7] Ismail, em obras anteriores (2017, 2021) já trouxera inúmeros exemplos da atuação política da Ordem, certamente precedida dos respectivos debates nas instâncias pertinentes

[8] Todos os pares de termos foram colocados entre parênteses com o intuito de alertar que cada termo, em si mesmo, guarda um universo de significados e fugiria ao escopo deste texto explorá-los à exaustão – por exemplo, no refere à “progressista”, maiores detalhes podem ser vistos em Pinheiro (2022). E mesmo que os pares não sejam sinônimos, é como a maioria dos textos, sobretudo na grande mídia, os trata e, de qualquer modo, não há prejuízo de considerá-los como tal neste ensaio.

[9] L: Lésbicas; G: Gays; B: Bissexuais; T: Transexuais, transgêneros ou travestis; Q: Queer; I: Intersexuais; A: Assexuais; P: Pansexuais; N: Não-binários; +: "Mais", para incluir outras identidades e expressões que não estão explicitadas na sigla. 

[10] Que inclui a liberação do aborto, ideologias de gênero e outras pautas.

[11] Blog “Desde a Espanha”. Disponível em: Monsenhor Viganò - Entrevista a Borgonovo: A Igreja, o Papado, o CONCLAVE, acesso em 10.05.25.

[12] Mutatis mutandis, as diferenças entre os sistemas Parlamentarista e Presidencialista, para os fins ora pretendidos são irrelevantes.

[13] Promovido e transmitido pelo aparelho educacional-cultural.

[14] Em algumas paróquias, aos finais de semana, em inúmeras missas/dia.

[16] Dentre os mais de 130, os top ten.

[18] Batina branca (sotaina): a túnica longa branca é a vestimenta básica do papa, simboliza pureza e consagração a Deus. A batina usada tem 33 botões na frente, representando a idade de Jesus Cristo ao ser crucificado.

[19] Estola: faixa bordada, geralmente vermelha ou branca, usada sobre os ombros durante celebrações litúrgicas. Representa os poderes sagrados conferidos ao papa como sacerdote e pastor, simbolizando o serviço e a autoridade espiritual.

[20] Mozzeta (murça): capa curta vermelha que cobre os ombros, usada sobre a batina. A mozzeta simboliza a autoridade do papa e seu chamado à compaixão. Essa peça remonta ao século XV e foi usada por papas como Bento XVI, reforçando a continuidade com a tradição.

[22] Copyright 1979.

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