A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A LITERATURA COMO INSTRUMENTOS DE TRABALHO DO MAÇOM CONTEMPORÂNEO – II
- Maçonaria com Excelência
- 16 de nov.
- 7 min de leitura
Lucas V. Dutra[1]
Ivan A. Pinheiro[2]
O presente artigo é uma continuação, se você não leu a primeira parte, clique no botão abaixo:
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A LITERATURA COMO INSTRUMENTOS DE TRABALHO DO MAÇOM CONTEMPORÂNEO – II
Ao primeiro olhar, sem sequer apreciar o mérito do conteúdo, o leitor mais habituado à leitura e à produção textual “dita”[3] acadêmica, chamam a atenção 2 (duas) ausências: a de Citações no corpo do trabalho e, ao final, a das respectivas Referências Bibliográficas. E não são questões de menor importância, como, em detalhes, pode ser visto em Pinheiro (2025) e também em Cichoski (2025): a segunda tem sido uma das exigências dos principais veículos e editais no ambiente editorial maçônico, e quando promovida sem a devida correspondência, caso a caso com a primeira, pode suscitar dúvidas quanto à licitude dos procedimentos adotados pelo autor.
Todavia, o que mais importa são o significado e a contribuição dessas efetivas digitais de um texto: enquanto as Referências sinalizam a trajetória e o esforço (quantidade, diversidade[4]) de pesquisa realizado pelo autor, as Citações expõem o seu raciocínio, como reúne, concatena e elabora os argumentos a partir do diálogo estabelecido, sobretudo mediante citações diretas, ora corroborando, ora contestando os autores consultados; enfim, a sua estratégia para demonstrar o que pretende e até mesmo persuadir o leitor. E, avançando em considerações mais filosóficas, talvez o mais importante, pois é a partir do arranjo desses componentes (Citações e Referências) que se tornam salientes os traços do engenho e da criatividade humana, bem como podem ser distinguidas a produção artesanal-manufaturada daquela saída de uma linha de produção em série e automatizada, desde que se tenha olhos para ver e sabedoria para entender, como de resto, em todos os campos de conhecimento.
Nesses termos, o ensaio produzido pela Gemini, enquanto Peça de Arquitetura muito provavelmente ganharia os aplausos (e mais aplausos) se apresentada oralmente e teria espaço assegurado em revistas de caráter social-recreativo, mas dificilmente passaria no primeiro crivo para publicação em veículos com revisão por pares na modalidade duplo-cego (a exemplo da Ciência & Maçonaria, Ars Regum e Ars Studiorum), sobretudo em processos seletivos-competitivos (a exemplo dos que anualmente têm sido promovidos pela CMSB[5] e pelas Academias Virtuais Nacionais[6]). A rigor, com engenho e arte, atualmente um Editor pode até mesmo prescindir de Escritores para publicar uma revista maçônica ou, com os mesmos atributos, qualquer um poderia, mas espera-se que não o faça, galgar do primeiro ao último Grau do Rito que pratica sem ter, necessariamente, lido uma obra sequer sobre Maçonaria.
Frente a esse primeiro achado de pesquisa, à título investigativo na sequência foi “perguntado” à Gemini: “Quais as referências bibliográficas utilizadas na elaboração deste ensaio?”. E a resposta foi:
O ensaio é baseado na leitura e análise direta da obra literária, complementada por conhecimentos gerais sobre crítica literária tolstoiniana e a simbologia central da Maçonaria (como a Pedra Bruta, a Busca pela Luz, e os preceitos de Virtude e Fraternidade).
A principal referência bibliográfica utilizada é a própria obra:
Referência Principal: TOLSTÓI, Liev. A Morte de Ivan Ilitch (Geralmente publicado com o título original: Smert Ivana Ilyicha).
(É importante notar que, como se trata de uma análise literária e simbólica, as noções maçônicas foram integradas a partir dos preceitos e valores amplamente aceitos e estudados da Ordem, sem a citação de um livro maçônico específico.)
Como é dado a perceber, trata-se de uma resposta genérica, tanto no que refere à obra objeto de estudo quanto às fontes referentes à Maçonaria; por exemplo, nada se pode afirmar se a IA “leu e conhece a obra” ou baseou o seu ensaio a partir das incontáveis elaborações (opiniões pessoais) que ela (a obra) já motivou. Em expressão popular, a resposta equivale ao “sair pela tangente”; assim, o leitor não-Iniciado, não maçom, além de ficar intrigado com a expressão “Pedra Bruta”, não terá uma orientação para procurar esclarecimentos (entre outras, uma das funções das Referências Bibliográficas) que lhe permitam apreender para além do sentido literal desta, assim como de outras expressões utilizadas.
Quem quer que já tenha lido “A Morte de Ivan Ilicht” (Tolstoi, 2002) não terá dificuldades em reconhecer os elementos citados pela Gemini, ora elevados à condição de “noções existenciais e morais cruciais”, talvez em resposta à demanda que solicitou “as cinco principais noções que determinam a importância da obra”: 1) a hipocrisia da vida “correta” e a alienação social; 2) a inevitabilidade existencial e o silêncio da morte; 3) o sofrimento como ferramenta de conscientização; 4) a figura do servo Gerasim e a simplicidade autêntica; e, 5) a passagem da treva para a luz e a redenção. Existem outros elementos além desses 5 (cinco)? Certamente, bem como é provável que a depender das lentes (escolaridade, hábitos de leitura, vivências, sistema de crenças, etc.) de outro eventual leitor, a escolha tivesse recaído sobre outros tópicos, coincidentes ou não com os enumerados pela IA.
Do mesmo modo, o leitor Iniciado provavelmente se sentirá à mais à vontade quando se defrontar com a segunda seção; todavia, a condição de ser-maçom dos autores (deste trabalho), que não pode ser abstraída, por certo que de algum modo repercute na avaliação crítica; assim, não é possível deixar de reconhecer que a segunda seção é, relativamente, mais limitada, menos informativa que a anterior. Por exemplo, as noções de morte e verdade, centrais à Maçonaria, não foram minimamente exploradas, sobretudo quando se tem em conta que a Maçonaria reúne Ritos bastante diferentes entre si: enquanto para uns, grosso modo, a vida e a morte não passam de estados de um sequenciamento natural e biológico, para outros a vida é apenas uma etapa, inclusive a de menor importância, que precede e deve ser orientada no sentido à etapa posterior à morte — o portal para transcendência — a vida eterna. Assim, enquanto para os primeiros a vida virtuosa é essencialmente parte e consequência de um código moral acordado para tornar possível a vida em sociedade, para os outros a virtude é também conditio sine qua non — o passaporte — para alcançar a vida eterna. E se para os maçons essas conexões não restaram claras, muito menos para o leitor “profano” (outro conceito que exigiria esclarecimento) que talvez venha a ficar confuso ao ler o ensaio Gemini.
A correspondência estabelecida entre “[...] as cinco principais noções que determinam a importância da obra [e a sua utilidade enquanto] ferramenta pessoal de aperfeiçoamento e conscientização para o Maçom”, em síntese, é apresentada no Quadro 1.
Quadro 1 – Elementos da obra “A Morte de Ivan Ilitch” que Poderiam ser Apropriados pelo Maçom Enquanto Ferramentas de Aperfeiçoamento
Principais noções que determinam a importância da obra | Ferramentas de aperfeiçoamento e conscientização para o maçom |
A Hipocrisia da Vida "Correta" e a Alienação Social | Do Vício Social à Busca pela Verdade (Hipocrisia e Maçonaria) |
A Inevitabilidade Existencial e o Silêncio da Morte | Consciência do Tempo e da Mortalidade (Silêncio da Morte e Maçonaria) |
O Sofrimento como Ferramenta de Conscientização | O Cinzel da Dor e o Autoconhecimento (Sofrimento e Maçonaria) |
A Figura do Servo Gerasim e a Simplicidade Autêntica | O Valor da Simplicidade e Fraternidade (Gerasim e Maçonaria) |
A Passagem da Treva para a Luz e a Redenção | A Busca pela Luz Interior (Passagem da Treva para a Luz e Maçonaria) |
Salvo melhor juízo, os paralelos estabelecidos no Quadro 1, que teriam por objetivo evidenciar a utilidade por complementaridade (“A Morte ...” vs Maçonaria), nem sempre, a julgar apenas títulos, são evidentes, autoexplicativos; assim a percepção e o entendimento dependem não só do conhecimento, mas também da experiência (Grau) do leitor Iniciado. Há casos, como o item 4 (quatro), destacado, onde fica muito claro que a literatura pode sim ser uma fonte (valiosa) para os estudos e aperfeiçoamento do maçom:
Da Obra (A Morte ...): 4. A Figura do Servo Gerasim e a Simplicidade Autêntica. Em meio à hipocrisia, a única figura que oferece consolo e autenticidade é o servo Gerasim. Gerasim não teme a morte e trata a doença de Ivan com compaixão e naturalidade, em contraste com a artificialidade dos ricos. Ele oferece conforto físico e moral simplesmente por ser verdadeiro consigo mesmo e com o sofrimento alheio. Esta noção sublinha a mensagem central de Tolstói: a salvação moral reside na simplicidade, na humildade e na capacidade de empatia desinteressada, qualidades perdidas na complexidade vazia da vida social de Ivan. Gerasim representa o ideal da vida não contaminada pela vaidade.
Da Maçonaria: 4. O Valor da Simplicidade e Fraternidade (Gerasim e Maçonaria). A autenticidade de Gerasim é o modelo de Fraternidade e Humildade que a Ordem Maçônica busca incutir. Gerasim trata Ivan com genuína caridade e compaixão, sem esperar recompensa social ou profissional. Ele não julga o doente; ele o ampara. A solidão incomunicável de Ivan é o resultado de uma vida sem laços fraternos verdadeiros. A Ordem, ao colocar os Irmãos no mesmo nível, independentemente de sua posição social no "mundo profano", visa criar uma rede de apoio que previna a solidão existencial de Ivan, baseada na Ajuda Mútua e no amor fraternal desinteressado.
De outro lado, há trechos que demandam repetidas leituras e são mesmo discutíveis, como é o caso da frase que conclui a primeira parte do ensaio: “A morte, que era o maior horror, transforma-se no maior triunfo da consciência, provando que é o modo como se vive, e não como se morre, que define o valor de uma alma”.
Por fim, talvez o conjunto de restrições estabelecidas (5 noções que estabelecem a importância da obra, 2 temas e 3 páginas) tenham sido obstáculos ao melhor desenvolvimento do tema. A ver os próximos ensaios das demais IA.
Os ensaios da DeepSeek e da Grok, analisados e comparados já a partir da próxima publicação, trarão achados de pesquisa (informações) que surpreenderam.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CICHOSKI, Luiz V. Bibliografia e Maçonaria. Maçonaria com Excelência. 06.11.25. Disponível em https://www.maconariacomexcelencia.com/post/bibliografia-e-maconaria. Acesso em 13.11.25.
PINHEIRO, Ivan A. Sobre as Lojas (Maçônicas) de Estudos e Pesquisas. Brasília – DF: Ed. do Autor, 2025. E-book. ISBN 978-65-01-66713-3. Obra patrocinada pela Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras (AMVBL).
DUTRA, Lucas V.; PINHEIRO, Ivan A. A Inteligência Artificial (IA) e a Literatura como Instrumentos de Trabalho do Maçom Contemporâneo - I. Maçonaria com Excelência. 12.11.2025. Disponível em https://www.maconariacomexcelencia.com/post/a-inteligencia-artificial-e-a-literatura-como-instrumentos-de-trabalho-do-macom-contemporaneo-i. Acesso em 14.11.2025.
TOLSTOI, Leon. A Morte de Ivan Ilitch. Porto Alegre: L&PM, 2002. ISBN 85.254.0600-7.
Notas de rodapé
[1] Mestre Maçom do Quadro da ARLS Presidente Roosevelt, 75, GLESP, Or. de São João da Boa Vista, Psicólogo, Professor Doutor em Psicologia, Especializado em Maçonologia (UNINTER), e-mail: dutralucas@aol.com.
[2] Mestre Maçom, Pesquisador Independente, e-mail: ivan.pinheiro@ufrgs.br.
[3] De forma equivocada, mas tecer as devidas considerações foge ao escopo deste texto.
[4] Por exemplo: os autores que cita seguem a mesma Escola de Pensamento ou traz e debate linhas alternativas e divergências? A bibliografia é atualizada, acompanha os estudos e pesquisas? Contextualiza o tema no seu devido espaço-tempo ou promove anacronismos?
[5] Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil.
[6] A Academia Maçônica Virtual Brasileira de Letras (AMVBL) e a Academia Internacional de Maçons Imortais (AIMI).


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