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O QUE SIGNIFICA A EXPRESSÃO ERA VULGAR?

Por Vanderlei Coelho



O SIGNIFICADO DA EXPRESSÃO ERA VULGAR E SUA UTILIZAÇÃO NA MAÇONARIA


O QUE SIGNIFICA ERA VULGAR NA MAÇONARIA?
Imagem ilustrativa gerada por IA

Introdução

Utilizamos termos na Maçonaria que às vezes nos passam despercebidos, como é o caso de “Era Vulgar” (E.'. V.'.), empregada em documentos maçônicos, especialmente pela Maçonaria Simbólica, em substituição à expressão Era Comum.


O termo pode causar estranheza à primeira vista, principalmente pela palavra “Vulgar” que atualmente denota algo “grosseiro” ou “indecente”, o que pode contribuir para interpretações equivocadas da expressão “Era Vulgar”.


Com o escopo de explicar o termo, sem, é claro, dar a palavra final sobre o assunto, o presente artigo explora seu significado e uso na Maçonaria Simbólica.


Antes de trazermos o sentido denotativo das palavras Era e Vulgar, é preciso entender como surgiu o termo Era Cristã e discorrer também sobre outras expressões, como: antes de Cristo (a.C.), depois de Cristo (d.C.) e Antes da Era Comum (AEC) e Era Comum (EC).

 

Dionísio Exíguo e a origem da Era Cristã

Dionísio Exíguo foi um monge cristão do século VI, originário da região da Cítia Menor (atual Romênia), que atuou em Roma como membro da comunidade dos monges da Cítia. Reconhecido por sua erudição em matemática, astronomia e teologia, tornou-se célebre pela elaboração de um conjunto de tabelas destinadas ao cálculo da data da Páscoa cristã. Foi nesse contexto que introduziu o conceito de Anno Domini — “ano do Senhor” — estabelecendo a contagem dos anos a partir do nascimento de Jesus Cristo, sistema que viria a ser conhecido como Era Cristã (WIKIPÉDIA, 2025).


Em 532 d.C., Dionísio propôs substituir a então vigente Era de Diocleciano, iniciada em 284 d.C., por um sistema cronológico que tivesse como marco inicial o nascimento de Cristo. Sua motivação era evitar a perpetuação de um calendário associado ao imperador Diocleciano, conhecido por sua perseguição aos cristãos. Assim, Dionísio passou a datar os eventos a partir do nascimento de Jesus, estabelecendo o que hoje conhecemos como o calendário cristão (CATHOLIC ENCYCLOPEDIA, 2025).

 

Inconsistências nos cálculos

A cronologia proposta por Dionísio, embora inovadora, apresenta inconsistências históricas. Os romanos utilizavam como referência a fundação de Roma, Ab Urbe Condita (A.U.C.) para datar os eventos. Dionísio estimou o nascimento de Jesus no ano 753 A.U.C., com base em Lucas 3:23, que afirma que Jesus tinha cerca de 30 anos no décimo quinto ano do reinado de Tibério. Tibério sucedeu a Augusto em 19 de agosto de 767 A.U.C.; isso levaria à conclusão, o que levaria à conclusão de que Jesus nasceu em 753 A.U.C.


No entanto, essa data entra em conflito com Mateus 2:1, que relata o nascimento de Jesus antes da morte de Herodes, ocorrida em 749 A.U.C. A solução proposta por estudiosos é que Tibério iniciou seu reinado como coimperador ao lado de Augusto, quatro anos antes da morte deste. Dessa forma, o décimo quinto ano de Tibério teria ocorrido em 779 A.U.C., o que deslocaria o nascimento de Jesus para cerca de 749 A.U.C., revelando um erro de aproximadamente quatro anos nos cálculos de Dionísio.

 

Antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.)

Antes de Cristo (a.C.): Refere-se aos anos anteriores ao nascimento de Jesus Cristo. É uma convenção cristã que marca o tempo com base em um evento religioso central.


Depois de Cristo: Em latim, Anno Domini (AD), significa “no ano do Senhor”. Refere-se aos anos posteriores ao nascimento de Jesus.


As expressões a.C. e d.C., foram popularizadas na Europa cristã medieval e adotadas amplamente com o calendário gregoriano, instituído pelo Papa Gregório XIII em 1582.

 

Antes da Era Comum (AEC) e Era Comum (EC)

Antes da Era Comum (AEC) e Era Comum (EC), são expressões que mantêm a mesma contagem de anos que a.C. e d.C. Elas são alternativas laicas, foram introduzidas para promover uma linguagem mais neutra, evitar referências explícitas ao cristianismo em contextos seculares, especialmente nos meios acadêmicos, inter-religiosos e científicos.


AEC e EC são usadas por comunidades que não reconhecem Jesus como figura central, por universidades e publicações científicas que preferem termos que não privilegiem uma tradição religiosa específica, ou ainda como precisão histórica.

 

Comparação entre os sistemas

Na tabela abaixo, tem-se o uso das expressões a.C./d.C. e AEC/EC, seus significados, base religiosa, referencial temporal e o uso atual.


Tabela 1 – Comparação entre os sistemas

Expressão

Significado

Base Religiosa

Ano 1

Uso Atual

a.C.

Antes de Cristo

Cristã

Antes do nascimento de Jesus

Comum em contextos religiosos

d.C.

Depois de Cristo

Cristã

Após o nascimento de Jesus

Comum em países cristãos

AEC

Antes da Era Comum

Neutra

Mesmo que a.C.

Preferida em contextos acadêmicos

EC

Era Comum

Neutra

Mesmo que d.C.

Usada em publicações científicas

Fonte: O autor.

 

Era Vulgar

O termo Era Vulgar (E.'. V.'.) é empregado em documentos maçônicos, especialmente pela Maçonaria Simbólica e como sinônimo de Era Comum. Para melhor entendimento do termo, vamos separá-lo e trazer sentido denotativo de cada uma das palavras.

 

Era

A palavra “era” deriva do latim aera, designa um ponto de referência temporal a partir do qual os anos são contados. Reforça o conceito o dicionário Michaelis[1]:

1 Período determinado no tempo que serve de base para a contagem dos anos.

2 Divisão do tempo (geralmente longo) que principia com um acontecimento marcante ou histórico e que dá origem a uma nova ordem de coisas: A era da internet começou na última década do século XX.

3 Época da história que pode ser destacada por suas características e acontecimentos marcantes e inconfundíveis.

4 Qualquer espaço de tempo; ano, época, século: Em eras passadas, ninguém pensava em celulares ou computadores.

5 O número indicativo de determinado ano.

 

Vulgar

Vulgar tem origem no latim vulgaris ou vulgus, significando “do povo” ou “comum”. Até o século XVI, “vulgar” não possuía conotação pejorativa; referia-se simplesmente ao que era acessível ou pertencente às massas. Com o tempo, passou a adquirir significados como “grosseiro” ou “indecente”, o que contribuiu para interpretações equivocadas da expressão “Era Vulgar”.


Ainda segundo o dicionário Michaelis[2], “vulgar” é:

1 Relativo ou pertencente ao vulgo, à plebe; popular.

2 Que não se sobressai ou que não se destaca; banal, comum, corriqueiro.

3 Que revela ser de qualidade inferior; baixo, grosseiro.

4 Que se sabe; que é do conhecimento de todos; notório, sabido.

 

Calendários maçônicos

Ismail (2020) alerta:

A Maçonaria possui diferentes tipos de calendários, usados nos mais diversos ritos e épocas, cada um com sua própria lógica e significados. Porém, isso tem gerado certas confusões históricas, principalmente no Brasil, com sua pluralidade de Ritos carência de registros legais disponíveis, de bibliotecas maçônicas e, principalmente, de literatura maçônica de qualidade.

 

Um exemplo dessas confusões históricas é o Dia do Maçom, 20 de agosto foi escolhido em razão da propagada reunião presidida por Gonçalves Ledo, na qual os maçons presentes teriam aprovado a Independência do Brasil — ou, em outra versão, a Maçonaria teria se posicionado a favor da Independência. Essa reunião foi datada, segundo a ata do então Grande Oriente Brasílico, no 20º dia do 6º mês do ano de 5822 da Verdadeira Luz.


Castellani, apud Ismail, revela que:

O 20º dia do 6º mês da Verdadeira Luz não foi dia 20 de agosto de 1822, erro histórico esse atribuído ao Barão do Rio Branco. Castellani indica como data correta o dia 9 de setembro, ou seja, posterior ao Grito de Independência.

 

A afirmação de que a sessão ocorreu em 20 de agosto estaria correta caso se considerasse o calendário maçônico francês.


Daza (1997), apud Ismail, afirma: “No Rito Francês ou Moderno, o primeiro dia do ano foi tido como 1º de março e os meses passaram a ser contados pelo número ordinal”. Nesse sistema, o 20º dia do 6º mês do ano maçônico de 5822 corresponde, de fato, ao dia 20 de agosto de 1822.


Já o Calendário Maçônico Gregoriano, defendido por Castellani como o sistema utilizado nas primeiras atas maçônicas brasileiras, fixa o Equinócio Vernal em 21 de março como o 1º dia do ano. Assim, o 20º dia do 6º mês de 5822 seria 9 de setembro de 1822.


Para evitar essas confusões históricas, Ismail recomenda que:

A Maçonaria Simbólica, ou seja, as Obediências Maçônicas e suas Lojas, deve adotar o Anno Lucis (Ano da Luz), abreviado como A.'. L.'.. Sua data é calculada acrescentando 4000 anos à data do ano civil corrente. A adoção do Anno Lucis na Maçonaria Simbólica foi iniciativa de James Anderson, que acreditava que a Maçonaria deveria ter uma forma própria de marcar as datas, diferente de calendários religiosos como o judaico e o gregoriano. Ele tomou por base os cálculos de um arcebispo anglicano irlandês, James Ussher, que determinou, com base nos registros bíblicos, que o mundo teve origem no ano de 4.004 a.C. Para facilitar a utilização, Anderson arredondou a criação do mundo para 4.000 a.C (ISMAIL, 2020).

 

E dar como exemplo o dia 21 de julho de 2019, equivalendo a 21 de julho de 6019 do A.'. L.'., afirmando que:

Esse é o sistema utilizado pelas Grandes Lojas de todo o mundo, e o recomendado às Lojas e Grandes Lojas ou Grandes Orientes brasileiros para utilização nos certificados de concessão dos graus simbólicos, cartas constitutivas e demais documentos que sejam estritamente maçônicos. Sugere-se a utilização desse calendário nos graus simbólicos, independente do Rito adotado na Loja, de forma a padronizar a datação de certificados e cartas constitutivas pelas Obediências, reduzindo assim possíveis confusões. Dessa forma, os calendários específicos dos ritos têm suas adoções restritas aos seus respectivos Altos Graus (ISMAIL, 2020).

 

Calendários dos altos graus do REAA

Quanto aos altos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, Ismail revela que:

(...) houve ocasiões no passado em que se verificou o uso do calendário hebraico em alguns Supremos Conselhos, adotando a sigla A.'. H.'., de Ano Hebraico, após a data. No entanto, via de regra, atualmente adota-se nos Altos Graus do REAA O sistema de Anno Mundi (Ano do Mundo), A.'. M.'., que é inspirado no Calendário Judaico, apesar de diferente desse em algumas jurisdições. No caso do Brasil, o SC33 adota o calendário hebraico e refere-se à data como Anno Mundi. Já nos dois Supremos Conselhos do REAA dos EUA o sistema de datas Anno Mundi funciona da seguinte maneira: Entre 01 de Janeiro e 31 de Agosto, deve-se adicionar 3760 anos ao ano civil corrente. Já entre O1 de Setembro e 31 de Dezembro, deve-se adicionar um ano extra, ou seja, 3761 anos ao ano civil corrente. Dessa forma, todo ano inicia-se no dia 01 de Setembro do ano anterior e encerra-se em 31 de Agosto do ano corrente, devendo os meses serem mencionados por número ordinal. Assim sendo, Setembro é o 1º mês, Outubro o 2º, Novembro o 3º, e Agosto o 12º. Trata-se de sistema adotado pela maioria dos Supremos Conselhos do Rito no mundo. Como exemplo, o dia 21 de Julho de 2019 seria 21 do 11º mês de 5779 do A.'. M.'..

 

Era Vulgar na Maçonaria

O termo Era Vulgar (E.'. V.'.) é empregado em documentos maçônicos, notadamente pela Maçonaria Simbólica e como sinônimo de Era Comum.


Seu uso não é uma negação da figura de Cristo, mas sim uma tentativa de tornar a linguagem histórica mais universal. É uma escolha que reflete respeito à pluralidade de crenças e à busca por precisão cronológica.

 

Conclusão

Como afirmou Ismail (2020), “A Maçonaria possui diferentes tipos de calendários, usados nos mais diversos ritos e épocas, cada um com sua própria lógica e significados”. A expressão Era Vulgar (E.'. V.'.) é amplamente empregada em documentos maçônicos, especialmente pela Maçonaria Simbólica, em substituição à expressão Era Comum.


De fato, o termo pode causar estranheza à primeira vista, sobretudo pela palavra “vulgar”, que atualmente carrega conotações negativas como “grosseiro” ou “indecente”. Essa mudança semântica ao longo do tempo pode levar a interpretações equivocadas sobre seu verdadeiro significado.


Para esclarecer possíveis dúvidas, este trabalho apresentou o sentido denotativo das palavras Era e Vulgar, abordou a origem da Era Cristã e discutiu outras expressões cronológicas como Antes de Cristo (a.C.), Depois de Cristo (d.C.), Antes da Era Comum (AEC) e Era Comum (EC).


Reiteramos que o uso da expressão Era Vulgar (E.'. V.'.) não representa uma negação da figura de Cristo, mas sim uma tentativa de tornar a linguagem histórica mais universal. Trata-se de uma escolha que reflete respeito à diversidade de crenças e busca por maior precisão cronológica.


Como mencionado no início, não se pretende aqui encerrar o debate sobre o tema, mas sim oferecer uma contribuição ao seu entendimento, especialmente no contexto da Maçonaria Simbólica. Esperamos que o texto tenha sido útil e inspirador, e convidamos o Irmão a continuar explorando o assunto, dialogando, questionando e ampliando seu conhecimento por meio de outras fontes e perspectivas.

 

Fontes pesquisadas:

BLOG DO BIANCHI. A origem da expressão “Era Vulgar”. Disponível em: https://iblanchier3.blogspot.com/2017/07/a-origem-da-expressao-era-vulgar.html. Acesso em: 09 set. 2025.


BRASIL MAÇOM. A expressão Era Vulgar e o Calendário Maçônico. Disponível em: https://www.brasilmacom.com.br/a-expressao-era-vulgar-e-o-calendario-maconico/. Acesso em: 09 set. 2025.


CATHOLIC ENCYCLOPEDIA. Dionysius Exiguus. Disponível em: https://www.newadvent.org/cathen/05010b.htm. Acesso em: 10 set. 2025.


COELHO, Vanderlei. 20 de Agosto: Um dia para chamar de nosso. Disponível em: https://www.maconariacomexcelencia.com/post/20-de-agosto-um-dia-para-chamar-de-nosso. Acesso em: 5 set. 2025.


FREEMASON. Era Vulgar e Era da Verdadeira Luz na Maçonaria. Disponível em: https://freemason.com.br/era-vulgar-e-era-da-verdadeira-luz-na-maconaria/. Acesso em: 09 set. 2025.


ISMAIL, Kennyo. Ordem sobre o caos. Brasília: No Esquadro, 2020.


NO ESQUADRO. Aula extra – Dia do Maçom. Disponível em: https://noesquadro.com.br/?s=dia+do+ma%C3%A7om. Acesso em: 19 de agosto de 2025.


MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Era. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/era/. Acesso em: 10 set. 2025.


MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Vulgar. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/vulgar/. Acesso em: 10 set. 2025.


WIKIPÉDIA. Dionísio, o Exíguo. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dion%C3%ADsio,_o_Ex%C3%ADguo. Acesso em: 10 set. 2025.

 


Notas de Rodapé

[1] MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Era. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/era/. Acesso em: 10 set. 2025.

[2] MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Vulgar. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/vulgar/. Acesso em: 10 set. 2025.

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