O TEMPLO E A ARQUITETURA
- Maçonaria com Excelência
- 7 de nov.
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Por Eleutério Nicolau da Conceição
O artigo abaixo é um trecho do livro MAÇONARIA RAÍZES HISTÓRICAS E FILOSÓFICAS. A obra apresenta uma abordagem racional, descrevendo as origens da Maçonaria e as influências exercidas pelos eventos históricos e culturais de cada período, desde a mística medieval até o iluminismo, sem recorrer aos costumeiros voos da imaginação presentes em outras obras do gênero.
Destaca-se o ideal maçônico de aperfeiçoamento pessoal e de fraternidade universal, pilares fundamentais da Ordem.
O TEMPLO E A ARQUITETURA
O interesse pela arquitetura do passado ressurgiu na Europa a partir da segunda metade do século XV. Para os arquitetos renascentistas cristãos, que buscavam a perfeição voltando seus olhos para a antiguidade clássica, ocorria um constrangedor conflito ideológico: Identificava-se a perfeição arquitetônica com a civilização greco-romana, reconhecida por todos como uma cultura pagã. Desse conflito resultou a busca de melhor fundamentação para a arquitetura cristã, que acabou por confluir no templo de Jerusalém.[1] Esse templo teve sua construção iniciada por volta do ano 960 a.C. e, de acordo com o texto bíblico, a construção estendeu-se por sete anos e seis meses, durante o reinado de Salomão (Shlomo). A Bíblia registra que os preparativos para a edificação foram iniciados pelo rei Davi, pai de Salomão. Diz o texto[2]:
“Disse Davi: Aqui se levantará a casa do SENHOR Deus, o altar do holocausto para Israel”.
Deu ordem Davi para que fossem ajuntados os estrangeiros que estavam na terra de Israel; e encarregou os pedreiros que preparassem pedras de cantaria para edificar a casa de Deus.
Aparelhou Davi ferro em abundância, para os pregos das folhas das portas, e para as junturas, como também bronze em abundância, que nem foi pesado.
Madeira de cedro sem conta, porque os Sidônios e os Tírios a traziam a Davi em grande quantidade.
Pois dizia Davi: Salomão, meu filho, ainda é moço e tenro, e a casa que se há de edificar para o SENHOR deve ser sobremodo magnificente, para nome e glória em todas as terras; providenciarei, pois, para ela o necessário; assim o preparou Davi em abundância antes de sua morte.”[3]
Uma observação curiosa: os pedreiros construtores do templo eram estrangeiros, submetidos a trabalhos forçados, o que é detalhado mais adiante.[4]
“Salomão levantou o senso de todos os homens estrangeiros que havia na terra de Israel, segundo o senso que fizera Davi, seu pai, e acharam-se cento e cinquenta e três mil e seiscentos. Designou deles setenta mil para levarem as cargas, oitenta mil para talharem as pedras nas montanhas, como também três mil e seiscentos para dirigirem o trabalho do povo”.
O primeiro livro de crônicas[5] conta também que Davi deu a Salomão a planta para a construção do templo.
“Deu Davi a Salomão, seu filho, a planta do pórtico com as suas casas, as suas tesourarias, os seus cenáculos, e as suas câmaras interiores, como também da casa do propiciatório. Também a planta de tudo quanto tinha em mente com referência aos átrios da casa do SENHOR, e a todas as câmaras em redor, para os tesouros da casa de Deus, e para os tesouros das coisas sagradas; ...Tudo isto, disse Davi, me foi dado por escrito por mandado do SENHOR, a saber, todas as obras desta planta”.
No ano 593 a.C.[6] as tropas do rei Nabucodonosor, da Babilônia, arrasaram Jerusalém, destruindo seu templo. Levaram todos os utensílios de valor e grande número de prisioneiros. O templo foi reconstruído em dimensões mais modestas entre 537 e 522 a.C. por ocasião da volta do povo do exílio. Entre os anos 24 e 68 de nossa era, o templo, danificado à época dos Macabeus, foi reconstruído suntuosamente pelo rei Herodes. As tropas do imperador romano Vespasiano, comandadas por seu filho mais velho, Tito destruíram definitivamente o templo de Herodes no ano 70 d.C. Deste último templo existe em nossos dias apenas um muro erigido com enormes pedras, que teria sido parte dos seus alicerces, o muro das lamentações. É este o local onde os judeus fundamentalistas se congregam para orar.
As representações do templo de Salomão extraídas do texto bíblico por diferentes autores não são idênticas. Isto se deve à dificuldade de se interpretar visualmente as poucas referências disponíveis no primeiro livro de Reis e no segundo de Crônicas:
“O Templo que o rei Salomão edificou para o Senhor tinha sessenta côvados de comprimento, vinte côvados de largura e trinta côvados de altura. E o pórtico diante do templo da casa era de vinte côvados de comprimento, no sentido da largura do Templo, e dez côvados de largura, no sentido do comprimento do Templo. E fez para o Templo janelas oblíquas com grades. E edificou câmaras junto ao muro da casa, contra as paredes da casa, tanto do Templo como do oráculo; e assim lhe fez câmaras laterais ao redor. O andar (câmara) térreo tinha cinco côvados de largura, o intermediário seis côvados, e o terceiro sete côvados, porque pela parte de fora da casa, em redor, ele tinha feito encostos, para que as vigas não se apoiassem nas paredes da casa.”
O côvado referido aqui, no livro II de Crônicas (II Cr 3.3), detalhado como “medida antiga”, era mais comprido que o côvado comum, de 45 cm, equivalendo a 52,5 cm. Isto dava para o Templo um comprimento de 31,5m, largura de 10,5m e altura 15,75m, dimensões modestas se comparadas com as imensas catedrais medievais. Era, porém, revestido internamente de ouro puro, sendo seus principais utensílios do mesmo material. Foi o primeiro edifício pré-fabricado de que se tem notícia:
“O Templo foi construído com pedras já talhadas; de modo que não se ouviu barulho de martelo nem de cinzel, nem de qualquer outro instrumento de ferro durante sua construção. A entrada para o andar inferior situava-se no ângulo direito do Templo, e por meio de escadas em caracol subia-se ao andar intermediário, e deste ao superior”. (I Reis 6. 7,8)
Maiores detalhes sobre as câmaras laterais são apresentados mais adiante, o que não facilita de modo algum a visualização do aspecto externo do Templo:
“Também edificou as câmaras em volta de toda a casa, de cinco côvados de altura, e as ligou à casa com madeira de cedro”. (I Reis 6. 10)
Mais adiante, a partir do versículo 19, lemos:
“E por dentro da casa, na parte mais interior, preparou o oráculo (mais tarde chamado Santo dos Santos) para pôr ali a Arca da Aliança do Senhor. E o oráculo no interior era de vinte côvados de comprimento, vinte de largura e vinte côvados de altura, e o revestiu de ouro puro. Fez um altar de cedro, diante do oráculo, e o revestiu de ouro. Ele revestiu de ouro o templo todo, que ficou inteiramente coberto de ouro.”
O altar aqui referido era o altar dos perfumes, visto que o altar dos sacrifícios ficava fora do edifício.
A descrição das duas colunas na entrada do pórtico também é desconcertante:
Fundiu duas colunas de bronze, a altura de uma era de dezoito côvados, e sua circunferência media-se por um fio de doze côvados; assim era também a segunda coluna. Fez dois capitéis de bronze fundido, colocando-os no topo das colunas; um capitel tinha cinco côvados de altura e a altura do outro era a mesma. Fabricou duas redes para cobrir os dois colos dos capitéis que encimavam as colunas; uma rede para cada capitel. Fez as romãs; havia duas fileiras de romãs em torno de cada rede, quatrocentas ao todo, aplicadas no centro que ficava por detrás das redes; havia duzentas romãs em torno de um capitel, e o mesmo número em torno do outro. Os capitéis que encimavam as colunas eram em forma de flores. Ergueu as colunas diante do pórtico do santuário; ergueu a coluna do lado direito à qual deu o nome de Iaquin (ou Jakin), ergueu a coluna da esquerda e chamou-a Boaz. Assim ficou pronto o serviço das colunas.”
Como podemos perceber, não é tarefa fácil visualizar colunas segundo essa descrição. O livro de Crônicas nos dá outros detalhes:
As duas colunas, os globos, e os dois capitéis sobre as cabeças das colunas; e as duas redes, para cobrir os dois globos dos capitéis, que estavam sobre as cabeças das colunas.” (II Cr 4.12).
Nesta tradução de João Ferreira de Almeida, aparecem os famosos globos que deram origem, em algumas instruções, às referências a “globo terrestre e globo celeste” sobre as colunas. A leitura atenta, contudo, mesmo nessa tradução, mostra pela sequência – coluna, globo, capitel – que os citados globos (rolos, na tradução da Bíblia da Jerusalém), nada mais são que a base sobre a qual os capitéis, em forma de flores, estão assentados. Não existem, portanto, representações de globo terrestre ou celeste, uma vez que a concepção hebraica do universo, àquela época, era semelhante à dos povos circunvizinhos, desconhecendo a esfericidade da terra.
O Oriente do templo maçônico é associado ao “Santo dos Santos” do templo hebraico, e a cadeira do Venerável Mestre ao “Trono de Salomão”. Devemos lembrar, contudo, que o rei hebreu jamais teve um trono no interior do templo. O acesso ao “Sanctus Santorum” era permitido apenas ao sumo sacerdote, e mesmo a ele, somente em determinadas ocasiões.
Com relação a Salomão, sua sabedoria é notória e atestada no texto bíblico, onde ele é citado como autor de provérbios e muitos outros textos, dos quais não restaram vestígio. Como exemplo, no livro de Reis (1o Reis 5.9-14) lemos o registro:
“Deus deu a Salomão sabedoria e inteligência extraordinárias, e um coração tão magnânimo como a areia que está na beira do mar. A sabedoria de Salomão foi maior que a de todos os orientais, maior que toda a sabedoria do Egito. Foi mais sábio que qualquer pessoa: mais que Etã, o ezraíta, mais que Hemã, Calcol e Darda, filhos de Maol; sua fama se espalhou por todas as nações circunvizinhas. Pronunciou três mil provérbios e seus cânticos foram em número de mil e cinco. Falou das árvores, desde o cedro que cresce no Líbano até o hissopo que sobe pelas paredes; falou também dos quadrúpedes, das aves, dos répteis e dos peixes. Vinha gente de todas as nações para ouvir a sabedoria de Salomão e ele recebeu tributo de todos os reis da terra, que ouviram falar de sua sabedoria.”
Certo autor, querendo associar conceitos místicos ao nome do rei hebreu, tomou sua versão inglesa, Solomon. Deu-lhe a interpretação portuguesa/inglesa de sol–man, significando homem solar, da qual tira interpretações de cunho esotérico. Entretanto, Salomão é aportuguesamento do hebraico Shalomo, (ou Sh’lomo), derivado de Shalom, que significa paz. Logo, o melhor significado do nome Salomão é “pacífico”, não “homem solar”. Aqui também é necessário exame criterioso, análise lúcida, e aplicação coerente do princípio defendido pela Maçonaria do livre exame de todas as questões. Não são apenas os antigos dogmas eclesiásticos que precisam ser examinados sob esse critério, mas também as afirmações de caráter místico/esotérico. Estas, muitas vezes refletem associações forçadas, desvinculadas do contexto real.
Outros autores argumentam que as colunas B e J deveriam ser colocadas à entrada do templo maçônico, do lado de fora, por ser essa sua posição no templo de Salomão. Ora, seguindo essa linha de argumentação, o mar de bronze deveria também estar fora do Templo, assim como o altar dos juramentos (que representa o altar dos sacrifícios), pois ambos ficavam fora daquele edifício. Deveríamos tirar também o trono e todos os outros assentos do oriente e do ocidente, por eles não existirem no templo de Jerusalém? Que dizer então dos signos do zodíaco, e as colunas gregas, também inexistentes naquele templo? Não é demais repetir: A relação do templo maçônico com o Templo de Jerusalém se dá apenas nos aspectos simbólicos de sua construção, dimensões e orientação. Nunca se pretendeu fazer do edifício maçônico, réplica do famoso santuário hebreu. Os símbolos maçônicos, todos, estão adequadamente posicionados dentro do templo, onde é seu lugar. Mesmo quando não se havia ainda erigido edifícios especialmente destinados a abrigar os trabalhos maçônicos, jamais se posicionou qualquer símbolo fora das salas onde se realizavam as reuniões. Em todos os templos antigos do Brasil, das Américas e Europa, as colunas, quando representadas, o são no interior da sala, ainda que em posições diferentes, segundo os ritos particulares. Portanto, não há razão lógica, ritualística ou histórica para se retirar as colunas de dentro dos templos.
O interesse dos arquitetos e filósofos voltou-se para o primeiro templo, construído por Salomão, por ter sido o único edifício do mundo erigido, diz a bíblia, segundo planta indicada pelo próprio Deus. Por isso, suas proporções refletiriam aquelas utilizadas na própria construção do Universo. Foram muitas as tentativas de se criar um modelo do templo tomando por base os textos bíblicos dos livros de Reis e Crônicas.

Outra referência era a visão detalhada apresentada pelo profeta Ezequiel de sua planta e dimensões. Jaacob Judah Leon (1603-1675)[7], por volta de 1641, erigiu um modelo do templo que foi muito considerado em sua época. Seus estudos trouxeram novas informações a respeito da localização exata do templo. Não era, como até então se considerava, no centro do pátio dos gentios, mas sim ao norte daquela posição. Juan Caramuel Lobkowiski (1602 - 1682)[8] foi professor, matemático, linguista, filósofo e bispo católico. Tal qual Anderson, Caramuel considerava a arquitetura como sendo de origem divina, no paraíso terrestre, com a primeira cabana construída por Adão sob a supervisão do criador. Suas fontes de referências além da bíblia foram: a mishná[9] e as obras de Moisés Maimônides e seus seguidores. Juan Bautista Villapando[10] (1552 - 1608) foi também um teórico da arquitetura e no 2o volume de sua obra, publicada em 1605 em três volumes, comenta largamente os aspectos simbólicos do templo de Jerusalém. Defendia a ideia de que suas dimensões traduziriam a perfeição da arquitetura, bem como as proporções utilizadas por Deus na criação do universo e do homem. Assim, verifica-se que o interesse pelo templo do rei Salomão não era característica exclusiva da Maçonaria.
Gostou do artigo? É apenas uma pequena amostra do livro MAÇONARIA RAÍZES HISTÓRICAS E FILOSÓFICAS.
Notas de rodapé
[1] Dora Wiebenson, Los Tratados de Arquitetura (de Alberti a Ledoux), Herman Blume, Madrid, 1988. Nesse livro, a introdução à edição espanhola feita por Juan Antônio Ramirez aborda o tema referido (pp. 41-45).
[2] Bíblia: I Reis, capítulo 6. A descrição detalhada da construção do templo toma todo o texto desse capítulo.
[3] I Crônicas, capítulo 22. As citações bíblicas serão retiradas da tradução de João Ferreira de Almeida, edição revista e atualizada da Sociedade Bíblica do Brasil, a menos que seja explicitada outra fonte.
[4] Crônicas, capítulo 2, versículos 17,18.
[5] I Crônicas, capítulo 28, ver. 11,12;19.
[6] No segundo livro de Reis, cap. 25, ver. 8-10 lemos: No quinto mês, no dia sete — era o décimo nono ano de Nabucodonozor, rei da Babilônia, — Nabuzardan, comandante da guarda, oficial do rei da Babilônia, fez sua entrada em Jerusalém. Incendiou o templo de Iahweh, o palácio Real, e todas as casas de Jerusalém. (Bíblia de Jerusalém, Edições Paulinas, 1981).
[7] Dora Wiebenson, op. cit. pp. 95-97.
[8] Ibid., pp.107-110
[9] A Mishná, também conhecida como Mixná, é uma das principais obras do judaísmo rabínico, e a primeira grande redação na forma escrita da tradição oral judaica, chamada a Torá Oral. Provém de um debate entre os anos 70 e 200 da Era Cristã por um grupo de sábios rabínicos conhecidos como 'Tanaim' e redigida pelo Rabino Judá HaNasi, que terminou sua obra no ano de 189 d.C. https://pt.wikipedia.org/wiki/Mishn%C3%A1
[10] Ibid., pp. 93-95.





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