A MAÇONARIA NA PERSPECTIVA DE FERNANDO PESSOA
- Maçonaria com Excelência
- 4 de set.
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Por Vanderlei Coelho
A MAÇONARIA NA PERSPECTIVA DE FERNANDO PESSOA

Introdução
Este compêndio é baseado no artigo de Fernando Pessoa, publicado originalmente no Diário de Lisboa, em 4 de fevereiro de 1935, sob o número 4388. Trata-se de um testemunho claro de seu posicionamento favorável à Ordem. A fonte consultada foi a publicação da Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil (CMSB), A Maçonaria, volume 2, 1ª edição, de 1995. Optou-se por manter a grafia original das citações, conforme o texto-fonte.
O texto refuta as acusações comuns contra a Maçonaria e critica aqueles que a atacam por falta de conhecimento ou por motivos preconceituosos. O autor também faz referência a eventos históricos e figuras políticas que se opuseram ou suprimiram a Maçonaria em diferentes países.
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Defesa da ordem maçônica
No seu artigo, Fernando Pessoa aborda diversos pontos cruciais sobre a Maçonaria, delineando uma defesa articulada e uma crítica contundente aos seus detratores.
Pessoa declara explicitamente ser favorável à Ordem Maçônica. Ele se posiciona como um defensor da Maçonaria, argumentando contra projetos de lei que pretendiam reprimi-la. Considera tais iniciativas como inúteis, improfícuas, injustas, cruéis e maléficas.
Os antimaçons
Fernando Pessoa faz severas críticas aos antimaçons. Um dos focos principais de Pessoa é a crítica à completa ignorância sobre o assunto por parte dos opositores da Maçonaria, em particular a figura de José Cabral[1]. Pessoa argumenta que as campanhas antimaçônicas decorrem de uma confusão permanente e são baseadas em informações erradas. No texto, ele sugere que a oposição de Cabral é motivada por uma malícia antimaçônica e um desconhecimento total do tema.
A natureza da Maçonaria
Fernando Pessoa descreve a Maçonaria como uma Ordem secreta, uma propriedade ou uma Ordem iniciática. Ele explica que sua natureza secreta deriva dos Mistérios antigos, onde grupos se reuniam em segredo.
A Ordem Maçônica é secreta por uma razão indireta e derivada — a mesma razão por que eram secretos os Mistérios antigos, incluindo os dos primitivos cristãos, que se reuniam em segredo, para louvar a Deus, em o que hoje se chamariam Lojas ou Capítulos, e que, para se distinguir dos profanos, tinham fórmulas de reconhecimento — toques, ou palavras de passe, ou o que quer que fosse. Por esse motivo os romanos lhes chamavam ateus, inimigos da sociedade e inimigos do Império — precisamente os mesmos termos com que hoje os Maçons são brindados pelos sequazes da Igreja Romana, filha, talvez legítima, daquela maçonaria remota.
Ele identifica três elementos essenciais na constituição maçônica: o iniciático (que confere o caráter de segredo), o fraternal (que une pessoas de diferentes graus de inteligência e cultura), e o humano (que se manifesta na diversidade de indivíduos maçons).
Fernando Pessoa menciona as obediências dizendo que a Maçonaria é como uma entidade espiritualmente dividida, mas unida. Ao empregar o termo “obediência”, ele se refere aos diferentes corpos maçônicos existentes, sem estabelecer distinção entre Potência[2] e Obediência[3] Maçônica.
Ainda assim, ele destaca as diferenças entre a Grande Loja da Inglaterra e o Grande Oriente de França, notadamente nas orientações políticas e sociais, revelando que essas distinções refletem mais as circunstâncias históricas e culturais de cada país do que uma ruptura na essência da Ordem.
As perseguições
Pessoa contextualiza as perseguições à Maçonaria ao longo da história, mencionando casos como os ataques de Mussolini na Itália, Primo de Rivera na Espanha e as ações de Hitler contra as Grandes Lojas na Prússia.
Hitler, depois de se ter apoiado nas três Grandes Lojas cristãs da Prússia, procedeu segundo o seu admirável costume ariano de morder a mão que lhe dera de comer. Deixou em paz as outras Grandes Lojas — as que o não tinham apoiado nem eram cristãs — e, por intermédio de um tal Goering, intimou aquelas três a dissolverem-se. Elas disseram que sim — aos Goerings diz-se sempre que sim — e continuaram a existir.
Influência política e social
O autor ressalta a vasta presença da Maçonaria no mundo, ele também aponta para a influência política e social, citando no texto os membros da Família Real:
São Maçons, sob a obediência da Grande Loja de Inglaterra, três filhos do Rei — o Príncipe de Gales, Grão-Mestre Provincial de Surrey, o Duque de York, Grão-Mestre Provincial de Middlesex, e o Duque de Kent, antigo Primeiro Grande Vigilante. É Maçom o genro do Rei, Conde de Harwood, Grão-Mestre Provincial de West Yorkshire.
Argumentos irrefutáveis
Fernando Pessoa reitera sua enfática defesa da Maçonaria com os seguintes argumentos:
(...) Provei neste artigo que o projeto de lei do Sr. José Cabral, além do produto da mais completa ignorância do assunto, seria, se fosse aprovado: primeiro, inútil e improfícuo; segundo, injusto e cruel; terceiro, um maléfico para o país na sua vida internacional. Não considerei, porque não tinha que considerar, se a Maçonaria merece o mau conceito em que evidentemente a tem o Sr. José Cabral e outros que nada sabem da matéria. Esse ponto estava fora da linha do meu argumento. Como, porém, a maioria da gente não sabe raciocinar, pode alguém supor que me esquivei a esse ponto. Vou por isso tratar dele embora protestando contra mim mesmo. Quem sofre com isso é o leitor.
A Maçonaria compõe-se de três elementos; o elemento iniciático, pelo qual é secreta; o elemento fraternal; e o elemento a que chamarei humano — isto é, o que resulta de ela ser composta por diversas espécies de homens, de diferentes graus de inteligência e cultura, e o que resulta de ela existir em muitos países, sujeita portanto a diversas circunstâncias de meio e de momento histórico, perante as quais, de país para país e de época para época, reage quanto a atitude social, diferentemente.
Nos primeiros dois elementos, onde reside essencialmente o espírito maçônico, a Ordem é a mesma sempre e em todo o mundo. No terceiro, a Maçonaria — como aliás, qualquer instituição humana, secreta ou não — apresenta diferentes aspectos, conforme a mentalidade de Maçons individuais, e conforme circunstâncias de meio e momento histórico, de que ela não tem culpa.
Neste terceiro ponto de vista, toda a Maçonaria gira, porém, em tomo de uma só idéia — a tolerância; isto é, o não impor a alguém dogma nenhum, deixando-o pensar como entender. Por isso a Maçonaria não tem uma doutrina. Tudo quanto se chama doutrina maçônica são opiniões individuais de Maçons, quer sobre a Ordem em si mesma, quer sobre as suas relações com o mundo profano. São divertidíssimas: vão desde o panteísmo naturalista de Oswald Wirth até ao misticismo cristão de Arthur Edward Waite, ambos eles tentando converter em doutrina o espírito da Ordem. As suas afirmações, porém, são simplesmente suas; a Maçonaria nada tem com elas. Ora o primeiro erro dos antimaçons consiste em tentar definir o espírito maçônico em geral pelas afirmações de Maçons particulares, escolhidas ordinariamente com grande má fé.
O segundo erro dos antimaçons consiste em não querer ver que a Maçonaria, unida espiritualmente, está materialmente dividida, como já expliquei. A sua ação social varia de país para país, de momento histórico para momento histórico, em função das circunstâncias do meio e da época, que afetam a Maçonaria como afetam toda a gente. A sua ação social varia, dentro do mesmo país, de Obediência para Obediência, onde houver mais que uma, em virtude de divergências doutrinárias — as que provocaram a formação dessas Obediências distintas, pois, a haver entre elas acordo em tudo, estariam unidas. Segue de aqui que nenhum ato político ocasional de nenhuma Obediência pode ser levado à conta da Maçonaria em geral, ou até dessa Obediência particular, pois pode provir, como em geral provém, de circunstâncias políticas de momento, que a Maçonaria não criou.
E ressalta:
Resulta de tudo isto que em todas as campanhas antimaçônicas — baseadas nesta dupla confusão de particular com o geral e do ocasional com o permanente — estão absolutamente erradas, e que nada até hoje se provou em desabono da Maçonaria. Por esse critério — o de avaliar uma instituição pelos seus atos ocasionais porventura infelizes, ou um homem por seus lapsos ou erros ocasionais — que haveria neste mundo senão abominação? Quer o Sr. José Cabral que se avaliem os Papas por Rodrigo Bórgia, assassino e incestuoso? Quer que se considere a Igreja de Roma perfeitamente definida em seu íntimo espírito pelas torturas dos Inquisidores (provenientes de um uso profano do tempo) ou pelos massacres dos albigenses e dos piemonteses? E contudo com muito mais razão se o poderia fazer, pois essas crueldades foram feitas com ordem ou com consentimento dos papas, obrigando assim, espiritualmente a Igreja inteira.
Sejamos, ao menos justos. Se debitamos à Maçonaria em geral todos aqueles casos particulares, ponhamos-lhe a crédito, em contrapartida, os benefícios que dela temos recebido em iguais condições. Beijem-lhe os jesuítas as mãos, por lhes ter sido dado acolhimento e liberdade na Prússia, no século dezoito — quando expulsos de toda a parte, os repudiava o próprio Papa — pelo Maçom Frederico II. Agradeçamos-lhe a vitória de Waterloo, pois que Wellinton e Blucher eram ambos Maçons. Sejamos-lhe gratos por ter sido ela quem criou a base onde velo a assentar a futura vitória dos Aliados — a Entende Cordiale, obra do Maçom Eduardo VII. Nem esqueçamos, finalmente, que devemos à Maçonaria a maior obra da literatura moderna — o Fausto, do Maçom Goethe.
Conclusão
Ao analisar o artigo de Fernando Pessoa, uma questão central emerge: ele era um maçom? A resposta é fornecida pelo próprio autor: “Não sou Maçom, nem pertenço a qualquer outra Ordem semelhante ou diferente”. Pessoa afirmava sua não iniciação na Ordem.
No entanto, sua defesa da Maçonaria é inequívoca e forte. Ele a defendia porque o seu conhecimento do assunto o leva a ter uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçônica. A base de sua defesa não reside em uma afiliação pessoal, mas em uma compreensão intelectual e crítica dos princípios da Maçonaria e da superficialidade de seus opositores. Pessoa distingue entre o conhecimento profundo da Ordem e a matéria puramente superficial que embasa as acusações. Ele sustenta que os ataques à Maçonaria decorrem de ignorância profunda e preconceito, e que a Ordem merece respeito por sua contribuição histórica e filosófica.
Em seu artigo, Fernando Pessoa descreve a Maçonaria ressaltando três elementos essenciais: iniciático, fraternal e humano. Assim, ele defendia a Maçonaria por convicção intelectual, baseada no que ele considerava um entendimento mais profundo e justo da Ordem, em oposição às deturpações e ignorância de seus críticos.
O artigo termina com a recomendação ao Sr. José Cabral de “deixar a Maçonaria aos Maçons”.
Fonte pesquisada:
COELHO, Vanderlei. Regularidade e Reconhecimento na Maçonaria. Disponível em: https://www.maconariacomexcelencia.com/post/regularidade-e-reconhecimento-na-maconaria. Acesso: em 03 de setembro de 2025.
CMSB, Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil. A Maçonaria. Vol. 2, 1ª ed. Brasília: CMSB, 1995.
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Nota de rodapé
[1] Deputado que propôs uma legislação antimaçônica, motivada por uma profunda ignorância acerca da Ordem, e cujo projeto, na visão do autor, traria sérias consequências negativas para Portugal.
[2] Potência maçônica é uma organização independente, possui governo próprio, com soberania em determinada jurisdição, exercendo poder e autoridade sobre os graus simbólicos e corpos maçônicos a ela subordinados.
[3] Obediência maçônica é uma organização que apesar de ter certa autonomia, não tem soberania, está jurisdicionada a uma potência maçônica e a ela submissa.




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