A SIMBOLOGIA DAS VIAGENS E DAS PURIFICAÇÕES NA INICIAÇÃO MAÇÔNICA
- Maçonaria com Excelência
- 10 de ago.
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Por Izautonio da Silva Machado Junior
A SIMBOLOGIA DAS VIAGENS E DAS PURIFICAÇÕES NA INICIAÇÃO MAÇÔNICA
Parte 1: Historicidade
Esta parte do trabalho é totalmente baseada no artigo mais completo denominado “A Simbologia da Purificação pelos Elementos e as Origens da sua Introdução nos Rituais Maçônicos”, de autoria do erudito maçonólogo português Joaquim Grave Santos, a quem é devido todo o crédito pela pesquisa.
Conforme a concepção dos antigos, os quatro elementos da natureza são a Terra, a Água, o Fogo e o Ar.
A simbologia destes quatro elementos está presente na maioria das cerimônias de iniciação maçônica dos ritos da Europa continental, no entanto é um elemento ausente nos ritos de origem anglo-saxônica.
Esta liturgia que integra as provas dos elementos baseia- se em uma concepção simbólica da constituição da matéria, profundamente enraizada na cultura clássica ocidental, e se relaciona com próprios os elementos componentes do Cosmos.
Para além deste arquétipo cosmológico, os quatro elementos tradicionais tinham também uma interpretação metafísica e se relacionam com os atributos de deuses mitológicos: Zeus (Fogo), Hera (Terra), Nestes / Hefesto (Água) e Adônis (Ar).
O tema das viagens em si estava presente nas cerimônias iniciáticas desde os primórdios da Maçonaria Especulativa, contudo a mesma afirmação não se aplica às purificações pelos quatro elementos.
Na Maçonaria Dissecada (1730) Samuel Prichard refere somente que o candidato efetuava uma volta à Loja, para se apresentar à assistência.
No mais antigo ritual francês conhecido (1737), o recipiendário fazia três viagens antes de ser conduzido ao Venerável Mestre. Não haviam elementos, provas ou purificações e durante as viagens era vertida resina em pó sobre os candelabros, com objetivo de causar maior impressão no candidato.
Os Rituais do Marquês de Gages (1767) descrevem o candidato conduzido à volta da Loja pelo Primeiro Vigilante, sem que intervenham nas viagens elementos ou purificações, mas já havia naquela altura a prova do fogo.
Em um Catecismo de uma Loja de Lille (1749), encontra-se um texto da seguinte resposta “Fui purificado pela água e pelo fogo”. Acredita-se que esta seja a mais remota menção desta inovação, que já existia em alguns Altos Graus praticados na época, podendo ter migrado daí para a Maçonaria Azul. Ao contrário do que se poderia cogitar, tais purificações não têm origem hermética, mas bíblica, correspondendo aos batismos da Antiga e da Nova Aliança, conforme as palavras de São João Batista (Mateus 3.11): “Em verdade vos batizo com água… mas aquele que vem após mim… vos batizará com o Espírito Santo e com fogo”.
No Régulateur du Maçon (1786) publicado em 1801, documento considerado fundador do Rito Francês, o Grande Oriente de França fixa a purificação pela Água após a segunda viagem, e a purificação pelo Fogo após a terceira, sem haver qualquer referência aos outros elementos.
De outro giro, os três elementos constituintes da matéria na perspectiva Martinista (Fogo, Água e Terra) só aparecem tardiamente na Maçonaria Retificada, entre 1786 e 1787, apenas e somente com a interpretação específica do Rito Escocês Retificado, sem qualquer relação com a que se encontra nos demais ritos maçônicos.
Por sua vez, o Guia dos Maçons Escoceses (1804), mais antigo regulador dos graus simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito, faz passar o iniciado pelas “chamas purificadoras” na terceira viagem, sendo as duas anteriores isentas de purificações.
Finalmente, Ritual do Rito de Misraïm (1820) prevê a purificação pelos quatro elementos: a prova da terra associada à Câmara de Reflexões e as purificações pela água, fogo, e ar - nesta ordem - associadas a três viagens realizadas fora do Templo (na Sala dos Passos Perdidos). Esta teria sido uma completa inovação relativamente a um século de prática maçônica anterior.
Este modelo repetiu-se no Ritual do Primeiro Grau do Rito de Memphis (1838), onde foi alterada a ordem dos elementos para Terra – Ar – Água – Fogo. A migração desta simbologia foi quase imediata dos Ritos Egípcios para os demais ritos praticados à época na França, passando as purificações a serem realizadas no interior do Templo.
No REAA a importação também se deu imediatamente, estando a mesma presente em todos os Rituais da Grande Loja de França desde a sua fundação em 1896, com a ordem Terra-Ar-Água-Fogo, que é hoje característica deste Rito maçônico.
A razão pela qual tais purificações apareceram em 1820 em um Rito Egípcio, deve-se a uma magia que esta em voga na época: a Egiptologia. Indícios de sincretismo com a Maçonaria encontra-se no livro “La Franche-Maçonnerie rendue à sa véritable origine” (1814) de Alexandre Lenoir, que marca a origem da Egiptologia Maçônica e onde se descrevem as iniciações no Antigo Egito (mítico), referindo-se às purificações pelos Quatro Elementos e a necessidade das cerimônias maçônicas se ajustarem aos procedimentos dos Antigos Mistérios.
Curiosamente, na Ópera “A Flauta Mágica” (1791) dos maçons Mozart e Shikaneder, no Segundo Ato, Cena 7, consta a seguinte referência:
“Aquele que avançará por esta estrada plena de obstáculos
Será purificado pelo fogo, a água, o ar e a terra
Se ele pode superar os receios da morte
Se elevará da terra até ao céu”
Mozart foi iniciado em 14 de dezembro de 1784 na Loja Zur Wohltätigkeit de Viena, da Grande Loja Nacional Austríaca. Antes dessa data, praticavam-se naquela cidade os seguintes Ritos: Rito da Estrita Observância, Rito de Zinnendorf, Rito Escocês Retificado e Rito de Adoção.

Embora a Loja-Mãe de Mozart tenha sido constituída para praticar o Rito Escocês Retificado, à data da sua iniciação esta utilizava outro ritual, do qual se encontra uma cópia manuscrita depositada em Copenhague. Trata-se de um ritual de influência francesa, com alguns pontos comuns ao Ritual do Primeiro Grau do Rito de Zinnendorf. Nesta cerimônia, o candidato, após passar pela Câmara de Reflexões, faz três viagens. O Venerável Mestre ordena ao Segundo Vigilante que faça o candidato realizar a primeira viagem “pelo Ar e pela Terra”, a segunda “pela Água” e a terceira “pelo Fogo”, sem haver qualquer referência a purificações.
Se este conceito migrou da maçonaria para a Ópera, tal não pode ser confirmado. É fato que Mozart foi iniciado através de um ritual que mencionava os elementos, mas ele não possuía a forma presente no Libreto “A Flauta Mágica”, que se parece reproduzir no Rito de Misraïm.
Parte 2: As Provas
A Câmara de Reflexão: A Prova da Terra
Nesta primeira Prova, o candidato fica imerso em uma simbólica caverna, imerso na escuridão e no silêncio, encarcerado em uma masmorra cercado de emblemas fúnebres e esotéricos, onde pairam alusões à mortalidade e ao seu desejo de ingressar na Ordem.

Os símbolos induzem-no a refletir sobre a instabilidade da vida humana, lição trivial sempre ensinada e sempre desprezada.
A primeira viagem: A Prova do Ar
Nesta viagem, o Experto simboliza o Pai do iniciando.
O percurso vagaroso por um caminho cheio de obstáculos, onde o silêncio inicial é interrompido por sons de trovoadas e ventanias representa o Ar, símbolo da vitalidade, emblema da vida humana com seus tumultos de paixões e dificuldades.
A vida humana, na luta dos interesses e das ambições, cheia de embaraços aos nossos intentos, encontra nesta lição o ensinamento de que a Maçonaria nos ensina a suportar todos os revezes da sorte, proporcionando-nos consolações salutares e grandes compensações.
As violências das paixões humanas, quando desencadeadas e não controladas, são como tempestades violentas, capazes de causar distúrbios na vida pessoal e no plano da coletividade até mesmo grandes destruições, guerras e calamidades.
A Prova também pode ser interpretada como a violência que se experimenta nas terríveis lutas da virtude contra o vício, da caridade contra o egoísmo e da liberdade contra a tirania. Na luta para manter sob controle as paixões, é necessário ultrapassarmos os obstáculos com constante determinação.
De outro ponto de vista, os ruídos, as dificuldades e os obstáculos significam fisicamente “o caos que se acredita ter precedido e acompanhado a organização dos mundos”, e moralmente “os primeiros anos do homem ou os primeiros tempos da sociedade, durante os quais as paixões, ainda não dominadas pela razão e pelas leis, conduziam homem e a sociedade aos excessos tão condenáveis dos tempos remotos do feudalismo”.
O candidato sem acesso à visão aduz a ignorância, incapaz de dirigir seus esforços sem um guia esclarecido. Decorre disso outras concepções: simboliza a Família, onde “a criança, incapaz de se dirigir, necessita de amparo e guia de seus pais”; simboliza a sociedade, onde “a inteligência de um pequeno grupo conduz as massas ignorantes que não podem se governar”; simboliza a humanidade, onde “os povos mais inteligentes conduzem e dominam os mais atrasados”. Ademais:
Como um símbolo mais elevado, vemos os mundos, no seu caminhar incessante através do éter, girando com velocidade vertiginosa, qual um pássaro que fende o ar com as suas asas. Esses mundos, infinitos em número, pesando milhões de toneladas, estão sujeitos a Leis fixas e imutáveis, às quais obedecem cegamente, assim como o candidato obedece ao seu guia.
A expressão simbólica da cegueira e da necessidade de quem conduza representa ainda o domínio que o espírito, esclarecido pelos ensinamentos maçônicos, deve exercer sobre a cegueira das paixões, transformando a materialidade dos sentimentos profanos em sentimentos puros, por assim dizer, maçônicos, criando desta forma um novo Ser, pela espiritualização e elevação dos sentimentos.
Foi para ver a Luz que o candidato bateu às portas da Maçonaria. Logrando êxito nesse intento, o candidato terá retirado a “venda” material que prende a sua alma e ele não mais precisará de um guia em seu caminho.
A segunda viagem: A Prova da Água
Na segunda viagem, o Experto simboliza o Mestre do iniciando.
Conduzido por um caminho mais plano, tendo o tinir descompassado de espadas como trilha sonora, o som de águas faz-se acompanhar por um cerimonial de purificação no Mar de Bronze.
A ação purificadora da Água nesta Terceira Prova simboliza a pureza da vida maçônica. As mãos jamais poderão se tornar instrumentos de ações desonestas e deverão ser conservadas sempre limpas. A purificação pela água idealiza a purificação dos erros, paixões, vícios e imperfeições do mundo profano; a pureza de pensamentos, sentimentos e ações.
O entrechocar de armas de combate durante a viagem sinaliza os perigos para se sair vitorioso no combate às paixões e no aperfeiçoamento dos costumes. Representa, outrossim, “a idade da ambição: os combates que a sociedade é obrigada a sustentar antes de chegar ao estado de equilíbrio; as lutas que o homem é obrigado a travar e vencer para se colocar dignamente entre os seus semelhantes”. De outro ponto de vista, o choque de espadas diz-nos que “devemos lutar como um membro de nossa Ordem para defender a virtude e proteger os fracos”. A espada é o emblema do combate contra o vício, a ignorância e o fanatismo. Essa luta começa dentro de si e se estende à ordem social.
O candidato e o seu guia representam respectivamente o Discípulo e o Mestre, vivendo harmônica e fraternalmente, um ministrando a experiência e as virtudes que adquiriu, e o outro deixando-se conduzir.
Menos penosa que a anterior, essa viagem demonstra também que “’a constância e a perseverança nas lutas contra os vícios do mundo profano têm por termo a paz de consciência”.
A Terceira Viagem: A Prova do Fogo
Na Terceira Viagem, o Experto simboliza o Amigo do iniciando.
Após caminhar por um trajeto silencioso e livre de obstáculos, o candidato experimenta o Batismo da Purificação pelas chamas do Fogo Sagrado.
As chamas simbolizam aspiração, fervor e zelo. O maçom deve aspirar a verdadeira glória, trabalhar ininterruptamente pela causa da Maçonaria, que é a da felicidade humana.
O teste pelo fogo diz-nos ainda que nunca devemos temer os perigos da jornada, e que para receber a Luz da Verdade é necessário ao homem entregar-se com ardor à procura da Sabedoria.
As facilidades desta viagem sem obstáculos demonstra “o estado de paz e de tranquilidade resultante da ordem na sociedade e o da moderação das paixões no homem que atinge a idade da maturidade e da reflexão”, e que a perseverança do iniciando aproximou-o do objetivo que deseja alcançar.
Conclusão
As Provas expõem o candidato a refletir sobre as dificuldades e as atribulações da vida. As purificações servem para lembrar que o homem não é bastante puro para chegar ao Templo da Filosofia.
As três portas em que se bate representam as três disposições necessárias à procura da Verdade: a Sinceridade, a Coragem e a Perseverança.
A princípio por um caminho escabroso semeado de dificuldades e cheio de obstáculos, em meio de ruídos e de trovejar atordoador, o candidato bate na primeira porta (Sul), que representa a Sinceridade.
Depois, por outra estrada menos difícil que a primeira, ouvindo o tilintar incessante de armas, o candidato bate na segunda porta (Ocidente), que representa a Coragem.
Finalmente, em uma terceira viagem, por um caminho plano e suave, envolto no maior silêncio, o candidato bate na terceira porta (Oriente), que representa a Perseverança.
As viagens simbolizam, em outra concepção, a conquista de novos conhecimentos, tais como aquelas que foram feitas na Antiguidade pelos Filósofos fundadores de mistérios, que se viajavam ao Oriente para adquirir novos conhecimentos.
O número de viagens indica os lugares onde as Ciências foram cultivadas primitivamente: a Pérsia, a Fenícia e o Egito, os lugares para onde Sábios de todos os países viajavam para estudar.
Referências
1. BOUCHER, Jules. A Simbólica Maçônica. São Paulo: Pensamento, 2015.
2. CASTELLANI, José. O Rito Escocês Antigo e Aceito. Londrina: Editora A Trolha, 2006.
3. Grand Orient de France. Le Regulateur du Maçon, 1801.
4. Grande Loja Symbólica do Rio de Janeiro. Ritual do Gráo de Aprendiz-Maçon. Rio de Janeiro: Typographia Delta, 1928.
5. QUEIROZ, Álvaro de. Iniciação, Elevação e Exaltação Maçônica. São Paulo: Madras, 2011.
6. SANTOS, Joaquim Grave. A Simbologia da Purificação pelos Elementos e as Origens da sua Introdução nos Rituais Maçônicos. Disponível em: https://ritoserituais.com.br/2017/11/21/a-simbologia-da-purificacao-pelos-elementos-e-as-origens-da-sua-introducao-nos-rituais-maconicos/. Acesso em 09 de agosto de 2025.
7. Supremo Conselho Nacional do REAA para os EUA, Territórios e Dependências (Prince Hall). Ritual de Aprendiz Maçom, 1946.
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