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ERGON DO COMPANHEIRO MAÇOM

  • 27 de out.
  • 8 min de leitura

Claudio Alvim Zanini Pinter[1]

 

ERGON DO COMPANHEIRO MAÇOM


ERGON DO COMPANHEIRO MAÇOM
Imagem ilustrativa gerada por IA

Gostaria de exteriorizar, para minha vida pessoal, o significado relativo das cinco viagens realizadas, em razão da elevação ao grau de companheiro, munido dos preciosos instrumentos de trabalho, fruto da maçonaria operativa, época das grandes construções e memoráveis catedrais.

 

Atualmente denominada de maçonaria especulativa, o processo de construção continua, fundamentalmente, na constituição de um novo estado de consciência para vencer o maior inimigo que está dentro do próprio homem. Por isso, deve-se levantar templos a virtudes, e cavar masmorras aos vícios, livrando-se da ignorância, um dos maiores males da humanidade. É bem lembrado o pensamento de Frederico Gonzalez e Fernando Trejos, em exposição durante a convenção internacional de maçonaria no México em 1982, quando diz que o nosso conhecimento não é só teórico e especulativo, mas “sino fundamentalmente práctico e operativo”.[2] A essência do simbolismo é atuar na consciência do indivíduo durante o processo de construção interior servindo como uma alavanca para empreender e atuar em prol da humanidade.

 

Durante uma visita à GM, em São Paulo, observei que, à entrada da fábrica, havia um espelho e logo me deparei com a minha imagem refletida. Essa imagem continha as seguintes inscrições: “Você é responsável pela imagem da GM”. Imaginem que todos os dias os colaboradores depararam-se com essa frase que induz um maior senso de responsabilidade em suas atividades.

 

Assim ocorre na instituição maçônica, o irmão passa a receber novas luzes, mas cada um é responsável para transformar os obstáculos internos e externos, respeitando os princípios éticos e atuando com sabedoria, força e beleza, tendo como maior propósito a construção de uma vida digna para todos os cidadãos. Portanto, através de nossas ações, somos responsáveis pela imagem da maçonaria, que tanto tem feito em prol da humanidade e, consequentemente, pela imagem de nossa loja.

 

A partir dessa pequena exposição, passo a relatar o verdadeiro significado para a minha vida dessas cinco viagens, cercadas por simbologias visíveis e invisíveis, tangíveis e intangíveis, portadoras do maior tesouro da humanidade, embora envoltas nas brumas de Avalon, cujo mistério e segredo se confundem, sendo decifráveis apenas aos maçons que se fizerem dignos à missão que lhes foi confiada pelo Grande Arquito do Universo – G.'.A.'.D.'.U.'.,  a começar pela prática dos ensinamentos que lhe foram repassados.

 

Antes, porém, gostaria de diferenciar o Ser Companheiro do termo Ter. Enquanto o primeiro vivencia a maçonaria, através da prática das virtudes, o segundo espera colher os frutos maduros, sem nunca ter semeado ou cultivado nada. E, pior, nunca está satisfeito:  quando recebe algo, acha-se no direito de sempre pedir e querer mais.... É o famoso esmoleiro, que em loja é capaz de sugar até as energias vibratórias, desarmonizando o ambiente. Por isso, ter um companheiro na loja é simples, difícil é que cada companheiro seja revestido da tônica do SER companheiro, de significado bem superior. O verdadeiro companheiro passa a exercer as suas atividades de maneira prazerosa, artística, inovativa, cujo trabalho não tem o sentido punitivo, mas, sim, de ergon, tema este já apresentado em loja. (Recomenda-se a leitura de o Fedro de Platão, registro importante dos iniciados nos antigos mistérios, em sintonia com o grau de companheiro. Relaciona-se com a beleza).

 

Primeira viagem: Recebi do irmão mestre de cerimônia um maço e um cinzel, os quais carreguei na mão esquerda durante essa primeira viagem. Esses instrumentos foram-me confiados à realização do trabalho de aprendiz para desbastar a pedra bruta. No grau de companheiro, o maço simboliza a força para vencer as minhas paixões, fruto das trevas da ignorância; o cinzel para lapidar e embelezar as minhas atitudes e ações, respeitando os princípios morais. Os cinco sentidos, de acordo como a natureza, o tato, o paladar, a visão, a audição e o olfato, formam um sistema quase perfeito, quando se fundem ao G.'.A.'.D.'.U.'.  como uma apoteose de amor.

 

Segunda viagem: Munido de régua e compasso, realizei minha segunda viagem, simbolizando através da régua que o companheiro deve medir suas ações, preservando sua conduta moral. Com o compasso, delimitar nossa área de atuação, com senso de justiça, respeito à hierarquia e, em especial, à Lei que tudo e a todos rege. Segundo Alec Mellor, alguns autores relacionam o compasso com o Antigo Testamento. É provável que essa fundamentação deve-se aos Sete dias da criação do universo, onde o G.'.A.'.D.'.U.'. estabeleceu os limites entre dia e noite, bem e mal, terra e mar, dentre outros, como podemos observar na Bíblia Sagrada, em Provérbios, capítulo. 8, versículos 22-36 e as estâncias de Dzian (apêndices 1 e 2). 

 

Segundo Aslan é provável que o compasso seja um símbolo masculino porque representa a energia e a força criadora da Divindade.

 

Terceira viagem: Recebi a régua e a alavanca. A alavanca é o símbolo do poder. Simboliza, para minha vida pessoal, que tenho a força, agora multiplicada pela potência do esforço, possibilitando remover os maiores obstáculos, a começar a remover o maior inimigo que está dentro do próprio homem: maus pensamentos, medo, insegurança, os sete pecados capitais, dentre outros. Para que isso se concretize basta querer. Só assim estarei apto para vencer outros obstáculos do mundo exterior com muita sabedoria.

 

Segundo Arquimedes, matemático grego (287-212 a. C), a respeito da alavanca disse a famosa frase: “Dêem-me um ponto de apoio e moverei o mundo”. E também a expressão heureka, que significa “achei”.

 

Quarta viagem:  Portador da régua e do esquadro, realizei a quarta viagem. São instrumentos que simbolizam que o Ser companheiro maçom deve medir-lhes sua conduta reta, aproveitando as horas de ócio para alimentar o seu espírito, e também, dedicar-se ao estudo, para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna, onde se concretizam os ideais maçônicos de liberdade, igualdade e fraternidade. Simboliza ainda a retidão e constitui-se na joia do cargo de Venerável, porque este maçom deve ser o mais reto, justo e perfeito da Loja.

 

Segundo Nicola Aslan o esquadro “relaciona-se com a Matéria, que simboliza, retifica e ordena, representando, de um lado, a ação do Homem sobre a Matéria, e do outro, a ação do Homem sobre si mesmo”[3]. Considera-se um símbolo feminino porque está associado a capacidade produtiva da Divindade. Esse símbolo também simboliza que o maçom deve desprender-se das coisas materiais para ocupar-se com coisas mais elevadas. Assim dizia Platão, o homem não deve ocupar-se com a “sombra do burro”.

 

Quinta viagem: Durante a realização da quinta viagem, nada levei comigo, embora o irmão mestre de cerimônia colocasse a ponta de uma espada sobre meu coração, a qual fixo com os dedos, o polegar e o indicador da mão direta. Significa que mereço ter meu coração arrancado, caso não honre os princípios maçônicos e os segredos a mim confiados. Supõe-se que esteja bem instruído das práticas manuais, e, por isso, o companheiro irá dedicar-se ao estudo teórico. A partir desse estágio a educação deve basear-se numa episteme (ciência) ao invés de continuar cultivando o plano temporário das opiniões (doxa). É bom lembrar da fábula do homem que levava milho para transformar em farinha no engenho, cuja fartura estava vinculada ao segredo que lhe fora confiado.

 

Meus irmãos, o Ser companheiro é muito mais profundo que minha inteligência humana possa imaginar e que nesse curto espaço de tempo posso descrever. Na inferência dessa simples apresentação, registro que quando me perguntaram: “Sois Companheiro?” Eu respondi: “Eu vi a estrela Flamejante, olhando para o alto, havia naquele sagrado momento uma força vibratória que ficará sempre comigo”; A partir de então, peço a G.'.A.'.D.'.U.'. que essa mesma força permita que, pela obra, eu desempenhe o meu trabalho com lealdade e dignidade e que me torne digno de Ser um companheiro maçom.

 

Antes de finalizar, gostaria de citar na íntegra a prece o sábio Sócrates: “Divino Pã, — e vós deuses destas paragens! Dai-me a beleza da alma, a beleza interior e fazei com que o meu exterior se harmonize com essa beleza espiritual. Que o sábio me pareça sempre rico. Que eu tenha tanta riqueza quanto um homem sensato possa suportar e empregar!”[4]. Que assim seja!

 

REFERÊNCIAS

ASLAN, Nicola. Grande dicionário enciclopédico de maçonaria e simbologia. Londrina: A Trolha, 1996. v.1-4.

 

BÍBLIA, Sagrada. Tradução de Padre Antônio Pereira de Figueiredo. Rio de Janeiro: Delta, 1980.

 

DEBESYS, Angelina. Hinduísmo, Bramanismo, Lamaísmo e Budismo. A Índia e suas crenças, as mais distintas, mas todas baseadas nas ideias de que nossa vida na terra é parte de um ciclo eterno de mortes e renascimentos. Dhâranâ, São Lourenço, ano 78, ed. 242, p. 7, fev. 2003.

 

ENCICLOPÉDIA Universal ilustrada europeo-americana.  Madrid: Espasa-Calpe, 1958, p. 718-719.

ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA DO BRASIL. Barsa CD. Rio de Janeiro, 1999. 1 CD-ROM.

 

FIGUEIREDO, J. G. Dicionário de maçonaria: seus mistérios, ritos, filosofia, história. São Paulo: Pensamento, 1991.

 

MELLOR, A. Dicionário da franco-maçonaria e dos franco-maçons. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

 

PLATÃO, Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2001.

 

PUCHI, J. ABC do Aprendiz. Tubarão: Dehon, 1993.

 

APÊNCIDE  1

 

ESTÂNCIAS DE DZIAN

 

Não existia nada; nem o claro céu,

Em ao alto a imensa abóbada celeste.

E tudo encobria, que era? Era das águas

O abismo insondável? Não existia a morte,

Mas nada havia imortal. E separação

Também não existia entre a noite e o dia.

Só o Uno respirava em si mesmo e sem ar:

Não existia nada, senão ele. E ali

Reinava as trevas, tudo se escondia

Na escuridão profunda: oceano sem luz.

O germe, que dormitava em seu casulo,

Desperta ao influxo do ardente calor

E faz então brotar a Natureza Uma. (...)

Quem sabe o segredo? Quem o revelou?

De onde, de onde veio a criação multiforme?

Os Deuses só mais tarde à vida surgiram.

De onde esta criação imensa? Quem o sabe?

Por ação ou omissão de Sua Vontade?

O sublime vidente, no alto dos céus,

O segredo conhece... Talvez nem ele...

Profundando a eternidade... Inda mesmo antes

De lançados os alicerces do mundo, (...)

Tu eras. E quando o fogo subterrâneo

Romper sua prisão, destruindo a estrutura,

Oh! Ainda será Tu como era antes.

Também quando o tempo já não existir

Nenhuma transformação conhecerás,

Mente infinita, divina Eternidade!

 

Fonte:

DEBESYS, Angelina. Hinduísmo, Bramanismo, Lamaísmo e Budismo. A Índia e suas crenças, as mais distintas, mas todas baseadas nas ideias de que nossa vida na terra é parte de um ciclo eterno de mortes e renascimentos. Dhâranâ, São Lourenço, ano 78, ed. 242, p. 7, fev. 2003.

 

Nota:

As sete estâncias representam os sete processos evolutivos do homem, segundo a tradição Vedas (2000 a 1000 a. C.) Relaciona-se também com os sete dias da Criação do mundo de acordo com a Bíblia. Na maçonaria, pode-se fundamentar com o compasso, cuja relevância está vinculada ao estabelecimento dos limites da ação do homem com o próprio homem, assim como do universo.

 

 

APÊNCICE 2

 

A SABEDORIA É O SENTIDO DA CRIAÇÃO

 

(...) 23 Fui estabelecida desde a eternidade, desde o princípio, antes que a terra começasse a existir. 24. Fui gerada quando o oceano ainda não existia, e antes que existissem as fontes da água. 25 Fui gerada antes que as montanhas e colinas fossem implantadas, 26 quando Javé ainda não tinha feito a terra e a erva, nem os primeiros elementos do mundo. 27 quando ele fixava o céu e traçava a abóbada sobre o oceano, eu aí estava. 28 Eu me achava presente quando ele condensava as nuvens no alto e fixava as fontes do oceano; (=) 29 punha um limite para o mar, de modo que as águas não ultrapassem a praia; e também quando assentava os fundamentos da terra. 30 Eu estava junto com ele, como mestre-de-obras. Eu era o sem encanto todos os dias, e brincava o tempo todo em sua presença. (=) 31 brincava na superfície da terra, e me deliciava com a humanidade. 21 Portanto, meus filhos, me escutem: Felizes os que seguem os meus caminhos. 33 Obedeçam a disciplina, e vocês se tornarão sábios (...). Bíblia Sagrada, em Provérbios, cap. 8, v.22-36.

 

Nota:

Observa-se que o G.'.A.'.D.'.U.'.  utilizou-se do compasso para a criação do universo. Como não havia nada, criou o universo e estabeleceu os limites da ação da criação: noite e dia, terra e água, planícies e montanhas, o bem sobre o mal, dentre ouros.


Notas de rodapé

[1] Trabalho apresentado no grau de Companheiro, na Loja Acácia do Sul nº 33, Tubarão, 2003.


[2] GONZALES, F; TREJOS, F. Ponencia presentada ante la convencion internacional masonica “México” 82. A.L.G.D.G.A.D.U.  Disponível em: <http://www.geocites.com/gloyam/s4doc2.htm>.  Acesso em: 25 de fev. 2002.

 

[3] ASLAN, Nicola. Grande dicionário enciclopédico de maçonaria e simbologia. Londrina: A Trolha, 1996. v.2, p. 396.

 

[4] PLATÃO. Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2001, p. 125.

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